30 dezembro 2008

 


SOBRE OS ERROS


Tudo na vida precisa de um erro! E assim parece ser sempre que nos perguntamos por que as coisas não deram certo. Na certa, se deram certo foi porque buscamos agir diante da noção de que o inverso do erro nos daria condição de normalidade ao que se desejava. Às vezes, se não fosse a ousadia de roubar um beijo, talvez aquele amor infinito jamais houvesse nascido; se não fosse aquele “não” na hora errada, talvez as coisas nunca se resolvessem por si. São só exemplos aleatórios. Entretanto, errar é admitir a possibilidade da desconstrução do que poderia ter sido, da forma que acreditava-se que deveria ser, e não foi. Dizem que “errar é humano, mas em demasia é burrice”. Não é. Pois, a partir do momento em que o erro acontece em demasia, é hora de investigar os motivos que fogem à natureza do que deveria nos conduzir a excelência do que estava se desejando. Errar é encarar o acaso, é dar roupagem aos acertos acidentais. E isso deve ser feito sem temeridade. Vejam bem, sabemos que o inventor da lâmpada, Thomas Edison (1847-1931), para chegar a ter êxito em seu invento, tentou centenas de vezes fazê-lo. Ora, entre erros, digamos que ele tivesse tentado 1000 vezes, já pensou se Edison tivesse desistido na 999ª vez? Hum? Teria ele sido reconhecido da forma que é hoje? Teria ele lugar na História da forma que tem hoje? Pois bem, percebe-se também que superar os próprios erros é algo que está intimamente ligado a própria obstinação. Sim, é verdade. Se assim não fosse, não havia razão de ser o erro um elemento só passível de contorno a custo de esforço, sendo ainda um trampolim para a redenção humana. Não penso, nem quero que esse texto caminhe para algo augustocuriano. Conquanto eu não tenha nada contra o trabalho e o pensamento do Cury, mas o fato é que eu não queria terminar este escrito com um tom de pendenga. Escrevo isso apenas para que o leitor reflita quando afirmo que tudo na vida precisa de um erro. Os exemplos? Podemos ter vários... Bem, eu sei que é um erro, em pleno horário de trabalho, ao invés de estar, naturalmente, trabalhando, estou agora escrevendo um texto para um blog. É um erro. Mas eu preciso errar para postar em meu blog. E, particularmente, eu preciso sempre de um erro para viver. Vivo, afinal, escrevendo, que é, por fim, o maior erro que se pode cometer contra a vida: escrevê-la.


28 dezembro 2008

 


PELE DE LOBO EM ALMA DE CORDEIRO?


Como diz a canção de Oswaldo Montenegro: “todo mundo é lobo por dentro”. E somos mesmo. Li O Lobo da Estepe, do Hermann Hesse, e acabei me convencendo disso. Um livro de grande densidade psicológica. A la Clarice Lispector. Sendo que esta escritora foi um dos nomes que beberam em Hesse para elaborar seus romances psicológicos; portanto, aderente aos traçados literários deste escritor alemão. Gostei do livro, porém, ao terminar de lê-lo, senti-me como se tivesse saído de uma noite mal dormida com uma mulher. É um livro que nos aponta, entre outros, os fracassos humanos de um homem, Harry Haller, personagem quase que esquizofrênica, complexa, que é vítima de uma misantropia sem igual. Hesse consegue, através de Harry, propor condições de reflexão ao homem em seu encargo de aniquilado frente o seu adaptar-se ao mundo. Visto que “adaptação” talvez soe como a palavra mais distante, porém mais certa diante do duelo que a personagem principal trava com a vida, uma vez que Harry, um ser angustiado aflito, culto, reconhece no ser humano as várias almas as quais o homem apresenta no plano terrestre, sendo então estas divididas por circunstâncias: ora o homem, de fato homem, seja em suas alegrias, frustrações, ou em suas condições limitadas; ora o homem-lobo, o animal que todos somos, adormecido em nós, despertado quando diante do mundo nos vemos incapazes de reagir às nossas impossibilidades. Por fim, é um livro que merece ser lido, bem lido, não às pressas. Até porque é uma obra que exige muito poder de concentração sob as ações de cada personagem. Sugiro a leitura deste livro; desde que se esteja em paz consigo mesmo; do contrário, um leitor apressado ou em desespero pode sentir náuseas, achá-lo chato, ou amedrontar-se, haja vista que é um livro que mostra também nossas fragilidades no outro, ou no espelho que não queremos ver nossa imagem refletida. Paro por aqui. Leiam. Não irei comentar nada mais do que isso. Posso finalizar dizendo que é um livro que vale a pena ser lido, é isso. Vistamos nossa pele de cordeiro em nossa alma de lobo.


21 dezembro 2008

 



Para quê perder o costume no Natal?


Primeiramente, tenho que confessar ao leitor que sempre para mim é a mais difícil. Incondicionalmente. Falo da última crônica de todo ano, quando escrevo um texto sobre o Natal para este blog. É que neste mês sempre sou acometido por sucessivas indagações, do tipo: “o que passou?” ou “o que ficou?” ou, ainda, “o que consegui/mos?” – no transcurso de mais um ano que finda. Isto porque me vem à consciência a percepção de que no mês natalino sempre conseguimos ver as luzes do natal, mas nunca conseguimos ver as trevas nos olhos dos meninos de rua; conseguimos arrotar de tanta fartura nas festinhas em família, mas nunca buscamos matar a fome dos desvalidos que dormem nas calçadas; conseguimos olhar para cima, até a última luz do pisca-pisca da árvore natalina mais alta da cidade, mas nunca conseguimos olhar para quem está em baixo dela; conseguimos esquentar nossos corpos com a roupa nova que compramos, mas nunca nos preocupamos em vestir quem anda com seus trajes rotos; conseguimos dá um abraço naquele(a) nosso(a) insuportável colega de trabalho, mas nunca conseguimos dá um sorriso para quem vive triste e abandonado num orfanato ou asilo.

Nós, brasileiros, somos acostumados com a nossa arraigada crise de conformismo. Lógico que isto é o ano inteiro, não poderia ser diferente no último mês do ano. Já estamos acostumados com os desequilíbrios sociais que dormem ao nosso lado. Já estamos acostumados a ver o dinheiro dos impostos que pagamos descer de ralo abaixo. Nos acostumamos com a violência batendo em nossa porta. Nos acostumamos às notícias de corrupção na política durante todo o ano. Já nos acostumamos a pensar que o 13º salário vai resolver as dívidas que acumulamos o ano inteiro. É costume nosso sentir o cheiro de peru que vem da casa do vizinho provocar nossas narinas, que faz com que imediatamente a gente vá à frente de nossa casa esperá-lo sair e aí é a oportunidade de dá um “boa tarde” com os olhos de “me dá um pedaço de teu peru assado”. Já é costume nosso sofrer o ano inteiro e dormir bêbados no natal e no reveillon. Já nos acostumamos abraçar toda a vizinhança, quando às vezes quem mais precisa desses abraços são “os de casa”. É nosso costume participar de “amigo secreto” quando o que está por trás dele é a falsidade revelada. Já nos acostumamos...

É isso. A gente se conforma e se acostuma. Se acostuma e se conforma. Nossa brasilidade não nos confunde com nenhuma outra nacionalidade. Somos brasileiros coesos em matéria de comemorações em festas natalinas e de fim de ano. Somos um povo tão fiel à nossa falta de originalidade que em pleno calor de verão no Brasil, copiamos o “Noel” americano e fingimos viver o inverno europeu. Para quê se preocupar? Somos um povo bravo. Um povo que adora copiar para o trabalho de criação não nos causar enfado. É isso. Aprendemos bem. Nós sabemos impecavelmente dá um “Feliz Natal”. Aqui no Brasil todos sabem que o correto é desejar um “Merry Christmas”. Já estamos acostumados. Para quê perder o costume? A gente vive bem assim. Não perderemos o costume nunca. Não nos preocupemos, já estamos conformados.

17 dezembro 2008

 


Pintura de Monet

Das folhas soltas no jardim

Folhas. Soltas no jardim. E era preciso que alguém dissesse que aquilo ali se tratava de folhas. Era preciso mesmo. As pessoas passavam como se não conhecessem que se tratava de folhas. Era o vento que as arrastava. Ia varrendo-as. Como pesar ou indiferença de quem as via sem nenhum alarido, ficava um pouco do que era arrastado no olhar de cada transeunte que pela rua passava. Ficava então um pouco do olhar (ou dos olhos?) nos rastros que ficavam tatuados no chão. Não há nada tão triste como folhas soltas num jardim. Folhas que secas ficam estalando como se procurassem registrar em cada estalo o dor de se apartar de onde nasceram. E sempre existe uma dor em toda separação. Assim também é com as pessoas – não precisa dizê-lo. Mas um jardim é sempre triste quando não o olham. Mais ainda, quando não o contemplam. Pois talvez as folhas se larguem para acusar o esquecimento que as acomete. Um jardim é uma confissão de que a vida não pára na derrota que nos quedou, na lágrima que nos fugiu, nos problemas que não solucionamos. É porque um jardim nos diz sempre que existe sempre uma chance de recomeçar: quando cada flor obedece ao ciclo que possui. De silêncio: é o que precisa um jardim. Um silêncio que o faça tocar o coração de quem por ele passa. E quando não o consegue? Ah, deixai que os passarinhos o perceba. Um jardim é sempre mais feliz quando os passarinhos o percebe. Ainda que sequer cheguem a brincar com as folhas. As folhas gostam de brincar com os passarinhos. As folhas não têm medo. E assim é sempre. Tem-se a impressão que é sempre o melhor é não ter medo. E as folhas o fazem, como se ao se sentirem soltas descobrissem que existe um desejo de não se revelar na dor dos que passam e não as olham.

15 dezembro 2008

 



Tezza e seu filho eterno.


Sendo apontado como o escritor brasileiro do ano, por ter ganho pelo menos 5 prêmios literários de grande valia, o barriga-verde Cristóvão Tezza vive um bom momento em sua carreira literária. Com uma obra rica e respeitada, Tezza, apesar de um incondicional apaixonado pela literatura, acredita que “no macromundo, a literatura é cada vez mais irrelevante. Não tem mais o poder de mudar nada hoje em dia e, tampouco, interferir ativamente no imaginário social de um tempo, como já conseguiu fazer em outros tempos.” É uma confissão séria, porém verdadeira. Por outro lado, não há quem não se enterneça com o enredo de O filho eterno, que trata do convívio afetivo com uma pessoa portadora da Sídrome de Down. Um livro de certa forma até biográfico, uma vez que seu próprio autor tem a experiência de ser pai de um portador desta doença. Assim o mesmo Cristóvão confessa: “Quando acabei de escrever O filho eterno e fui olhá-lo, fiquei apavorado: ‘mas o que foi que escrevi?’. É uma alta exposição. Mas por outro lado, eu pensava: ‘para quem não me conhece como escritor, o aspecto biográfico é totalmente irrelevante’. E tem a questão do gênero, do romance”. Acrescenta ainda: “É um livro que levei 26 anos para escrever e publicar. Então, é uma coisa muito racionalizada, muito pensada, de muito auto-envolvimento. Não sei que palavra colocaria no lugar. Acho que foi uma apreensão literária de longo prazo”. Por ora, ressalte-se que este romance de Tezza disputou a nada-mole final do Prêmio Portugal Telecom com nomes como Raimundo Carrero e Bernardo Carvalho, o que, veemente, aumenta ainda mais os méritos deste autor de mais de dez livros.



11 dezembro 2008

 

Abapuru (Tarsila do amaral)


SOB O SOL


Garanhuns não é uma cidade quente. É fria, e todo mundo sabe. Mas nos últimos dias, esta cidade está quase efervescente. O verão parece que resolveu disputar com o inverno para ver qual clima condiz mais com a cidade. Penso que toda disputa é um exercício de vaidade. Perto das 14horas, quando volto do trabalho para casa, o jeito que tem é eu vir me escondendo do sol pelos muros, aproveitando a sombra que as paredes fazem para me esquivar dos raios solares. Volto com o corpo quase derretendo de calor, porém com a alma fria. O mais ridículo disso tudo é que quando não tem sombra e nem tem muro vou colocando qualquer coisa, que eu estiver em mãos, na cabeça para amenizar a incidência solar em minha moleira. Não chamo nomes feios com o sol. Ele faz a parte dele. Eu apenas sou uma vítima sua. O sol é inatingível. Não posso criar caso com ele. Primeiro porque me chamariam de louco; depois, porque sequer posso alcançá-lo. A culpa é mais minha. Não tenho um guarda-chuva para transformar num “guarda-sol”, não tenho nenhum transporte para fugir com mais velocidade do sol. Vou atravessando as avenida e ruas de Garanhuns como um transeunte qualquer, que passa sem a percepção dos outros. Aprendo que a vida é passar, como se fosse uma nuvem que se some discretamente, como se fosse um sol, que queima a pele do homem e se põe, sem nada reclamar.


03 dezembro 2008

 


Casarão da Praça Dom Moura: um pouco de sua história (Garanhuns-PE)


Em estilo neo-clássico, o casarão da praça Dom Moura, nº 44, foi construído em 1919, por José de Almeida, seu primeiro proprietário – que foi ainda comerciante e ex-prefeito de Garanhuns. O responsável pelo projeto arquitetônico do casarão foi o italiano Bruno Giorgio, contratado pelo próprio José de Almeida. O casarão possui todo seu madeiramento, do assoalho e lambri, importado do Pará. Seu segundo proprietário foi o grande líder político de Garanhuns, Antônio Souto Filho, que acolhia seus correligionários e amigos no porão do casarão, que até então era muito aconchegante – provido de móveis de jacarandá – onde passava horas; local que funcionava também o seu gabinete, seu “quartel general”. A arquitetura deste casarão é ímpar na cidade, uma vez que mantém conservado todo traçado arquitetônico predominante nas primeiras décadas do século XX. Ressalte-se ainda que sua construção foi efetivada num período em que o café vivia seu apogeu.

Após o desfrute de Souto Filho, o casarão foi durante muito tempo habitado pela família do Sr. Wilson Santana Neves – um médico aposentado.

Sendo assim, depois de passar por um bom período sem nenhum inquilino, a Prefeitura de Garanhuns adquiriu este casarão não só com o intento de preservá-lo, mas também com o propósito de reunir documentos e fotografias que contem a história de Luiz Inácio Lula da Silva, desde seu descerrar em Garanhuns até sua pujança como Presidente da República.


02 dezembro 2008

 


foto: escritor Sérgio Sant'anna


CINCO PONTOS (Entrevista do escritor Sérgio Sant’anna ao Jornal Literário Rascunho)


• O Brasil merece um Nobel de literatura? O Brasil precisa de um Nobel?

Acho essa discussão sobre um Nobel de Literatura brasileiro meio provinciana, e me lembra os tempos áureos dos concursos de misses. Mas quantos autores brasileiros já não mereceram o prêmio? Guimarães Rosa, Clarice Lispector, João Cabral. Se eu fosse votar num brasileiro agora, votaria num conterrâneo de vocês: Dalton Trevisan. Inclusive por um de seus méritos — entre tantos outros, como o de criar uma nova forma para o conto —, que é o de não dar a mínima para o prêmio Nobel.

• De acordo com uma pesquisa divulgada recentemente, os personagens literários brasileiros seriam, em sua maioria, homens brancos, urbanos e de classe média. Esses dados são significativos e relevantes? Ou preocupar-se com eles é entregar-se à patrulha do politicamente correto?

Eu ouvi falar nessa pesquisa, mas de uma outra forma. Que os personagens negros apareciam em situação inferior na literatura brasileira. A verdade crua é que as pessoas de raça negra vieram como escravas para este país e, num determinado sentido, sofrem influência dessa condição inicial até hoje. Mas quero crer que está melhorando. E a gente também não pode esquecer que três dos maiores escritores brasileiros tinham sangue negro nas veias: Machado, Cruz e Souza e Lima Barreto. Mas Machado queria agradar a classe média branca, o que era natural, pois nela estavam os leitores. Agora tivemos o fenômeno Paulo Lins e seu Cidade de Deus, que ganhou o mundo. Mas também os personagens de Paulo vivem uma condição social trágica, como grande parte das pessoas de sua raça. Já nos filmes de Jorge Furtado, como no delicioso O homem que copiava, e no interessante Meu tio matou um cara, os personagens principais, masculinos, são de raça negra, e o ator que os encarnou, Lázaro Ramos, vem alcançando um êxito crescente, inclusive como uma espécie de galã moderno. E, para falar de mim, em alguns textos meus há uma forte carga de erotismo provocada pela atração entre raças diferentes. Para terminar, esperemos que uma verdadeira democracia racial e cultural traga cada vez mais personagens não-brancos à nossa literatura, e não simplesmente como empregados ou empregadas.

• Harold Bloom, em seu último lançamento no Brasil (Onde encontrar a sabedoria?), defende que certos livros, produzindo significação, podem colocar os leitores no bom caminho da sabedoria. Sua literatura tem esse objetivo?

Seria muita pretensão minha dizer que meus livros têm como objetivo colocar os leitores no caminho da sabedoria. Só posso dizer que sempre procuro mergulhar fundo no poético, no trágico, no cômico, e tenho pelo menos a ilusão de que os leitores se enriquecem um pouco lendo meus livros. E, paradoxalmente, começo a levar a literatura cada vez menos a sério.

• Com que se preocupa a nova literatura brasileira?

A pergunta é abrangente demais para que eu possa respondê-la, ainda mais por todos os escritores. Mas quero crer que, mesmo sem uma premeditação, a nova literatura reage às provocações da realidade brasileira e de uma realidade global. Além disso, há a preocupação, ou melhor, o desejo de cada autor de empreender sua viagem, muito pessoal, no mundo e de escrever sobre ela. Mais ou menos isso, mas é uma resposta muito imperfeita.



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