25 setembro 2009

 

A resposta que ninguém ousa

Foi quase perto de pregar os olhos. Da cama mesmo. Não sei o que poderia me atrair ao ficar olhando para minhas meias. Era um par, posto sobre o braço de uma cadeira em meu quarto. Mas não era aquilo que prendia a minha atenção, naquele momento entre o sono e o cansaço. Era algo que me deixava sentir a sensação de dormência e invalidez. É a hora mais infinita aquela que a gente não dorme completamente, porém não fecha os olhos de todo. Deve ter um pouco da gente na tentativa de não abrir os olhos ao sono do dia. Eu não consigo mais pensar em atravessar noites tentando vencer o sono. Tenho sempre um ar de agora durmo. Ninguém sabe responder o que é o fingir quando o corpo cansa.

17 setembro 2009

 

O que se entende por não viver

Foi sem querer que percebi aquele menino de um braço e uma perna coloridos: ele dava cambalhotas, trocava a palavra “assoalho” por “bailarina”, tomava iogurte e deixava aquele bigodezinho de cor azul muito claro. Tinha um rosto de princesa, cabelo meio encrespado e uma barriga um pouco grande. Ele ajeitava a camisa meio suja de sorvete, quando o vi pela primeira vez. O vi e fingi que o conhecia há muito tempo. Não lhe cumprimentei. Apenas desci a mão sobre seu ombro e apertei-lhe a altura da clavícula como se apertasse uma geleia. Foi esse o momento em que cri que de fato ele era diferente: quando ele olhou para mim e me largou um sorriso que me percorreu até em casa.

Só fiz apertar-lhe a clavícula e fui embora. Nada mais do que isso eu posso dizer. Se o fizer estarei mentido. E toda mentira é uma invenção que se destrói. Eu nem sequer puder apelidar aquele menino. Que palavras poderiam ser compatíveis com ele? Era estranho tentar acreditar que poderia fazê-lo. Ele brincava sozinho no meio da praça, com algumas bolinhas de gude. Tinha um jeito meio afeminado de jogar bola de gude. Após lançar as bolinhas fingia dançar, e repetia a meio tom: “do alto desta bailarina, quantos invernos já derramaram suas chuvas...” Era uma canção que não acabava mais. Logo, era um correr sem parar rumo ao um pequeno copo de sorvete a se lambuzar sem querência. O iogurte ele só tomava de gole em gole. Eu nunca pude dizer tanta coisa de tudo que não vivi ao observar aquele garoto. Quanto coisa que ali ficou dito, que eu não pude entender!

16 setembro 2009

 

Dos dias em que a gente nunca diz o que tem que dizer

Meus diletos leitores permitam-me lamentar. Um lamento a mim mesmo, ao trabalho excessivo que me presto. Tudo isso porque não sei se me escravizo ou me escravizam. Sabem o que é trabalhar de manhã, à tarde e à noite? Acho que sim. Sabem o que é você está num dia em que tudo parece ser insuportável e “de repente, não mais que de repente”, como diria Vinícius de Moraes, chegar a sua coordenadora com “blá-blá-blá” pro seu lado e lhe chegar mil e um nomes feios à mente e naquele instante você se segurar para não despejar aquilo tudo nela? Pois é. Essa foi hoje. Não sei o que seria de mim hoje se não fosse este blog para me vestir de menininha que na flor da infância vê no seu diário o seu amigo mais íntimo.

É nessas horas que penso que, humanamente, empobreci muito quando deixei de lado a minha radicalidade, meu extremismo inesgotável. Quando deixei de ser radical percebi que me perdi na fronteira entre a humildade e o idiotismo. Todos que se submetem a respeitar uma pessoa porque o dinheiro está em jogo é um desgraçado. Fiquei com essa dúvida em mim: me submeti ou não? Pensei em momentos depois que não respondi a minha coordenadora: não lhe disse o que deveria ter escutado por que ela não merecia ou por que tive medo de perder o emprego? O dinheiro era mais do que minha paciência?

Acho que a crise de retidão que nos chega aos 25 anos de idade é bem pior do que a irresponsabilidade que nos deixa à vontade aos 15. Não sei não, mas creio que uma das formas de driblar certos contratempos como estes é levar as coisas bem menos a sério. A maioria das pessoas que é mais próxima de mim, ao estar lendo estas palavras doloridas talvez esteja me enxergando como um adolescente que brigou com a professora na escola porque ela lhe reclamou por ele está conversando muito em sala de aula. Em vista disso, não me prolongo. Dou um ponto final nisso. Eu poderia ir longe. Mas é só uma lamento. Uma frase inacabada, que nunca achará seu real sentido.

14 setembro 2009

 

(Des) procurando outros caminhos

Nunca gostei muito de escrever sobre telenovelas. Ou melhor, nunca gostei. Perdoem-me os noveleiros de plantão, mas dei graças a Deus porque o diabo da novela da Globo “Caminho das Índias” se acabou. Era uma novelinha que eu não suportava. Eu sempre odeio as novelas que empurram sua ideologia goela abaixo nas pessoas. (Sei por outro lado que tem pessoas que são ingênuas demais para se livrar dos bombardeios da Globo). Recentemente, esta novela fez um bocado de imbecis ficar resmungando “arêbaba” por aí. Na verdade eu penso que em nada esta novela tem de identificável com a massa brasileira. (Vejam que digo massa, não cultura). Primeiro, que a tradição indiana é bem mais espiritual que a nossa, meros ocidentais materialistas; depois, vejo que todo costume que é aceito sem conhecimento do mesmo nunca é saudável.

Lógico que para criticar primeiro tive que ter uma noção do que se tratava a novela. Vi personagens vazios, que, de tão mal interpretados, beiravam caricaturas, para não dizer que beiravam o ridículo. E era justamente nos mais ridículos que o povo brasileiro se identifica(va). Cruel, não? A Globo vendeu uma cultura indiana que não existe. Ou se existe, é uma parte muito pequena, insignificante. Por exemplo, a população indiana vive numa imundice de dá nojo; suas ruas, suas cidades. Porém esta emissora de televisão só mostrava o que havia de mais ordenado nas cidades – a parte menor. Aí fica claro como se dá o processo de alienação: mostrar, vender o não existente, fazendo com que o povo não veja a parte mais cruenta do que está por trás daquilo.

É entre os povos indianos que se encontra alto índice de analfabetismo, onde (em dados do ano de 2000) 44,2% da população era acometida pela não alfabetização. Se o Brasil já é um país de contrastes, imaginem as “Índias”. Não façamos aqui paralelos. O que está em discussão é a novela mesmo, que afinal já terminou. Daí é melhor deixarmos pra lá. A gente só esquece as coisas com mais facilidade quando as enterramos. Vamos “Viver a vida”, que, por fim, é o nome da próxima novela do horário, na Globo. Gostei das primeiras cenas que vi. É bem urbana. De logo me identifiquei. Sei que não tenho como assistir a ela. Meus horários não permitem. Quem sabe eu dê um jeitinho de achar o melhor caminho para assistir a esta novela. Por qualquer caminho que seja. Salvo o “das Índias”

11 setembro 2009

 

Apenas fechar-se

Eu tenho uma espécie de calo nos olhos. Só que não daqueles calos que ganham formas e se mostram por fora. Nem ao menos doem. É só a sensação de que algo atravessa minhas retinas e faz uma cócega na alma. Quisera saber do que se trata. Mas só queria sabê-lo se fosse possível. Se fosse possível saber. Mas como saber, se a minha capacidade de entendimento é muito menor do que minha capacidade de intriga? Procuro, procuro e não acho razões para crer que essa dorzinha que me alfineta a visão me chega a mente com uma forma de palito de dente. E todo palito de dente sabe sempre o que é alfinetar uma carne comprimida. Nossos olhos não têm a percepção de que são alfinetados.

Mas por que afinal não fica dentro de mim essa sensação de dor? Não quero que fique dentro só a sensação de que algo deveria ter sido furado. Causado um furo. Um furo que ao menos goteja uma gota de sangue: a gota que sempre falta quando a veia já está à margem de recusar morrer, aos pedaços. Por isso é que meus cílios se refugiam: formam a parte de mais discreta de meus maus olhos. É que uma parte de meus olhos apenas finge, enquanto outra se despede. Mas meu olhar deixa sempre um grito de saudade, aquela saudade das coisas que nunca vivemos, entende? Eu não digo que ele (meu olhar) existe, mas vou esquecendo sempre, pois esquecer para os meus olhos é fechar-se.

08 setembro 2009

 

da curiosidade que gera estações

eu lembrei de agradecer a Deus porque o inverno já está deixando a cidade. daqui a mais ou menos uns 15 dias, oficialmente, é datada a primavera. não que eu não goste de ver a garoa cerrando o céu, as folhas das árvores pingando, o vidros embaçados, as ruas sendo tomadas por poças. mas é que sou um homem da madrugada, que gosta de cortar a noite sob a euforia de esquecer do tempo. e esqueço só do tempo, porque enquanto a temperatura, gosto sempre de senti-la. no inverno nunca escondo o meu temor ao chuveiro que só jorra água fria. água fria pra mim é uma saudade que não gosto de ter. não suporto a ideia de banho frio nesta estação. eu interrompo várias vezes a sensação de vencer minha aversão a banho gelado no inverno, para tentar me adaptar a isso. até tento chegar perto da água fria do chuveiro... mas aí minhas pernas e meu couro são mais covardes e sempre me vencem.

foi por essas e outras que sempre gostei dos banhos mornos nas banheiras. hoje em dia ninguém mais fala o quanto é fantástico tomar banhos em banheiras. quando criança minha mãe sempre esquentava a água e eu me jogava na banheira com a sensação de que era uma piscina com água morna. ah, mas não posso esconder que água fria pra mim só foi no tempo de verão, quando eu e meu irmão entrávamos no tanque lá de casa e ficávamos quase uma manhã inteira caçando uns girinos que vez por outras surgiam.

ora, o mais mágico de nossa vida é quando a gente pensa que a água é um ser vivo, como uma barata que se mexe. (bem, sabemos que simbolicamente tem). eu sempre me perguntava onde era a cabeça da água, os dedos, o coração, essas coisas. teve um dia que na praia com minha avó, aperreia-a tanto para saber onde era o pescoço da água que ela até me deu um beliscão no meio do povo, pela minha insistência. eu a questionava incessantemente: e ela sempre me dizendo: “menino, menino, água não tem nada disso que gente tem; água é água, gente é gente”. minha curiosidade era uma formiga que se transformava numa tanajura. mas aí o tempo passou-se e com ele vários invernos, primaveras, verões, outonos. e sempre ficou em mim a curiosidade sobre a água, minha curiosidade de gente, em forma de sibito.

03 setembro 2009

 

A experiência que não tive com as muriçocas

Os dias se passaram e eu nem consegui partilhar com os leitores deste blog o meu exercício de observação. É que eu estava acompanhando a putrefação de uma muriçoca. Foi uma que encontrei morta sobre minha cama. Coloquei-a em cima de uma blusa minha, dentro de meu guarda-roupa, e deixei os dias passarem. Acompanhei sua decomposição por seis dias. No sétimo viajei. E quando voltei, não a encontrei no mesmo lugar. Até agora não sei onde ela foi parar. Estava até pensando em dá um nome a ela.

Confesso a vocês que ainda no quarto dia não notei nada de estranho na muriçoca morta. Cheguei a pensar que muriçoca não se decompõe. Só a partir do quinto dia é que seu corpinho foi ganhando um tom meio rubro. Mas nada que sinalizasse para algo decomposto. Só aprendi que quando as muriçocas se decompõem não ficam abatidas, apáticas.

Eu falei pros de casa que estava nessa de acompanhar a muriçoca morta. Pensaram que era brincadeira minha. Minha mãe saiu com essa: “Trabalha de manhã, a tarde, e à noite, e ainda vai se meter a observar como se apodrece uma muriçoca... só quem não tem o que fazer mesmo”. Bem, na verdade não vi mal nenhum em observar a muriçoca defunta. O mal foi não saber onde se meteu o seu cadáver. Toda muriçoca é uma prova de que se dá pra viver discretamente. Muriçoca é um bicho discreto. Elas só deixam de ser discretas quando zunem e picam. Eu creio que as muriçocas são seres de outro planeta. Quem quiser que prove o contrário.

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