28 dezembro 2007

 

Pintura de Monet (Ninféias)


Neste post, um escrito de Mário Quintana, que mudou minha vida neste ano:

O segredo é não correr atrás das borboletas...
É cuidar do jardim para que elas venham até você
.”

24 dezembro 2007

 



NATAL: UMA FORMA DE (NÃO) TER MEMÓRIA



Sempre que chega o Natal e fim de ano e me proponho a escrever sobre tal, confesso que uma leve sensação de angústia me sobe aos nervos. Primeiro, porque fico dividido entre escrever sobre o que este período natalino causa na vida das pessoas – inclusive na minha – e o que não compete a eu escrever. Depois, porque parece que as palavras em determinado momento se escondem em razão de eu sentir a responsabilidade de ter que, de alguma forma, sensibilizar meus leitores com um texto que massageie o ego deles pelo fato do “tempo em que se renovam as esperanças” se fazer presente. Com isso, acabo não achando a precisão do que deveria escrever. Também não sei se eu sabendo o que deveria escrever iria lá resolver alguma coisa. Enfim, quem poderá sabê-lo?

Portanto, talvez eu pudesse resolver isso chacoteando a nossa memória... é, isso mesmo! Aquela memória saudosista que nos embriaga ao passarmos diante das lojas enfeitadas com guirlandas, alguns Noéis, sinos, estrelas, e ornamentos afins. O filósofo Nietzsche, certa vez afirmou: “a vantagem de ter péssima memória é divertir-se muitas vezes com as mesmas coisas boas como se fosse a primeira vez”. Assim é que penso: a cada Natal e Ano novo deveríamos vivê-los como se fosse a primeira vez. Como se a diversão estivesse no que ainda não fora vivido. Com efeito, acontece justamente no período natalino coisas que até então nunca se vive o ano inteiro. Contudo, são boas. E acabam sendo sarcásticas, decerto. Um exemplo bem prático disso, é no trabalho, quando às vezes existem pessoas que trabalham na mesma empresa que você, e passam os 365 dias do ano sem lhe dar um “bom dia” ou “boa tarde” e, de repente, na confraternização de fim de ano, na frente do (a) gerente vem lhe dar um abraço apertado, desejando-lhe os mais “sinceros” votos de felicidades. Ora, a felicidade, se é realmente desejada de coração, que seja desejada o ano inteiro. Se o abraço é uma forma de demonstrar carinho, que o abraço seja dado o ano inteiro. Não se precisa de palavras. Como escreveu Clarice Lispector: “verdades não têm palavras”. Não sei se as palavras poderiam vetar nossa memória.

Sabe, penso que deveria haver palavras que pudessem fazer esquecer o que vivemos. Como uma espécie de “abra-cá-dabra”. Acredito, então, que a palavra-chave para zombar de nossa memória é “paciência”. Sim, porque nossa memória sempre se rende à impaciência de remoer o que nos foi ou é bom. Além do mais, entender a paciência é entender Deus. Imaginem só o quanto um indivíduo tem que ter de paciência para tomar conta do mundo! Hum?! Veja-se Deus mesmo, sobre o que a pouco eu afirmara: Deus é feliz porque não tem boa memória. É. Pois se ele fosse um ser bem dotado de memória jamais deixaria tanto canalha escapar – ainda que fedendo – dos “quintos”. Chego à conclusão que realmente é feliz que não tem uma boa memória. Afinal, do que adianta tê-la e as coisas continuarem do jeito que são? O homem sabe, tem consciência de sua corrupção; no entanto, a confiança em seu semelhante sempre existiu. Ilustrando isto através da boa memória do povo de nosso país, poderíamos exemplificar o caso da politiquice brasileira, pois sabemos sempre quem são os picaretas, todavia o bom senso do “perdoai”, sempre nos leva a dar mais uma chance a um patife como Fernando Collor, por exemplo.
Deste modo, a falta de memória é um elixir para que não nos percamos no baú que somos. Discussões escrupulosas a parte, surge-me um embate: não sei se é piegas encerrar estas linhas congratulando vocês, meus leitores, com um “Feliz Natal a todos!”. Não, pensando bem, acho melhor não encerrar assim. Congratularei com um “Péssimas memórias a todos!” Deixeis, pois, que o “Feliz Natal” sobreviva apenas em sua forma gráfica, uma vez que o que fica escrito permanece debatendo-se. Não, não. Deixeis, mesmo, que eu deseje para meus leitores um “Feliz Natal”, que esta é a maneira mais sarcástica que eu tenho para escapar dos “quintos” e continuar me debatendo. Então a vocês, um Feliz Natal!

21 dezembro 2007

 

SOBRE CANECA E AFRONTAS


Muito me é interessante a vida do Frei Caneca. A príncipio, frade carmelita. Depois, líder libertário e principal ideólogo da Confederação do Equador em 1824, em Pernambuco, especificamente no cenário recifense.

Ordenado padre aos 22 anos, Joaquim do Amor Divino Rabelo, torna-se um intelectual respeitado em todo o Estado como professor de retórica, filosofia e geometria, entre outras disciplinas. Ganhara o cognome “caneca” devido à atividade exercida pelo seu pai – que fabricava bacias, tachos e canecas. Além dos serviços com as batinas, por anos dedicou-se à vida política, afrontando mesmo o imperador Pedro I, acusando-o de ter violado “o pacto com a Nação”, uma vez que o neto de D. João VI dissolvera a Assembléia Nacional Constituinte de 1923 e estabeleceu ao Brasil uma Constituição imposta e outorgada em 1824.

Como culminância desta afronta, resta-lhe uma condenação à morte. Fora, então, amarrado a um poste e fuzilado pelo pelotão do Exército Imperial. Que era e é sabido que o Frei Caneca fazia restrições ao próprio celibato sobrepujado pela Igreja Católica é um fato. Escandaloso foi quando descobriram que o carmelita tinha companheira, concubina e amásia, além de filhos e filhas. Isto são só linhas rápidas sobre o que foi a vida deste frade. Indico aos meus leitores que façam uma pesquisa mais apurada sobre as atitudes morais e obras de Caneca – pois, de outra sorte, ele também foi historiador, pensador, revolucionário, orador...

Diante disso, cabe a nós ponderarmos quantos são hoje os sacerdotes preocupados, realmente, com a situação política de seu país, haja vista a estreita de relação que existe entre política e religião. Assim, o próprio Gandhi, afirmou: “quem diz que religião não tem nada a ver com política, não entende nem de um nem de outro”. Reflitamos, pois, se a Igreja não veio a se tornar, ao longo dos anos, um simples aparelho ideológico que hoje se preocupa na maioria das vezes com louvores e palminhas diante do Altar ou Templo, deixando de influir para uma sociedade mais justa e igualitária pelo fato de seus sacerdotes se omitirem frente ao sistema sócio-político de seu país.

13 dezembro 2007

 

IMOLAÇÃO DOS OSSOS (Romance)
Capítulo 3


Desdigo. Invento calos. Dilato-me. Ardo. Meu instante me fere. Que é o instante, pergunto? Respondo. Paro. Instante é a ausência de respostas. Linha que divide a vida em pólos. É também um pouco da palavra “sombra”. Um pouco de giz que o sol entrecorta.

Exagero.
Me dispo.
Me corto.

Ouço. Não é música. É um corpo que entra em meus ouvidos e se debate, como uma palavra mal escrita. Porque toda palavra mal escrita tem um tanto de vida que desperta convulsões. Escrevo porque o que fica escrito não me convence. Porque fico convencido de que nunca alcanço o que me foge nas entrelinhas. Perco o que não disse. Assumo o que me condena. Separo. G o t a s. Que v ã o c a i n d o. puras. Fixo a dor do que suporta o amor. Que pesa. E treme.

Estremeço.

Sou todo pés. Que giram. Quem mais que os pés testemunha o giro do corpo. Quem mais que o corpo é capaz de guiar os pés. Os pés me falam. Ou eu os falo. Ouço-os. O que digo é o que fica no silêncio. Na curva do trilho enferrujado. Na paz que compro. Sou um pouquinho de ti na curva de teus dedos. Na tua boca de criança. Tomo: entrego. Não exijo nada, a não ser teus calos e a frescura leve do que lateja em teu tornozelo.

Aconteço-me: como a ninguém.

11 dezembro 2007

 

pintura de Picasso



IMOLAÇÃO DOS OSSOS (Romance)
Capítulo 2


Atinjo-me imperceptivelmente. Amargo. Erro de alvo por causa de (*), que surgiu em meu firmamento como em revoada, e parece cada vez mais fazer com que eu me afaste de mim. E quando me afasto de mim é como se me sentisse cada vez mais próximo de mim mesmo. Tem uma coisa na distância que só ela própria é quem sabe explicar. Pois a distância nasceu para tornar as pessoas curiosas. Todo mundo é imerso em suas curiosidades. Também o sou. Principalmente pelo fato de não saber o que (*) faz para me render a mim mesmo. Eu que tantas vezes sou pouco. Um pouco de tudo. Um pouco da cólica no ventre da fêmea, um pouco de quentura na pele que queima, um pouco do gozo que ficou na vulva. Todos nós precisamos ser e ter um pouco de nós mesmos nas coisas excêntricas. Só as coisas normais é quem são infelizes e monótonas. E a melhor coisa contra a monotonia é se guardar. Guardo-me de (*) porque sei que esse amor é uma verdade que não cabe em minha compreensão. Guardo-me porque é a maneira mais covarde de dizer “adeus” a mim mesmo. Nem vou, mas já fui; ora não vou, mas já me despeço. Sou o lenço branco que a mão acena no cais. A ferida inchada que estufa a carne. O fel adormecido nas artérias cardíacas. A dor que se afasta e transgride o corpo. Pretendo. Desprendo. Largo tudo ao ar. Aspiro. Estendo os braços e emudeço. Sou possibilidade. A vida é uma possibilidade, e tudo que é me cansa. Entro na dança. Desaprendo a dançar. Swingo, quebro-me. Encontro em meu corpo partido o modo mais terno de juntar-me aos pedaços. Mas pra quê juntar pedaços do que nunca esteve em unidade. Pois a diversidade do que fui me faz matéria única do que em mim se espalha. Não tenteis, pois, juntar-me. Tudo que foi unido mantém o desespero de ter sentindo a solidão de estar em seu próprio lugar. Todos têm seu próprio lugar. Não sei se o meu é em (*). Pois é quem me cria abismos. Coloca-me no cume da agulha erguida. Na elasticidade do couro seco. Não sei se ela o é. Se ela ao contrário, puder ser ele? Ponha, você, a figura do sexo que pode ser esse (*). Talvez que seja uma criatura. Um trago. Fumaça. Mamilo túmido – gotejante.

08 dezembro 2007

 

Pintura de Pollock



IMOLAÇÃO DOS OSSOS (Romance)
Capítulo 1

Sou implícito. Ou talvez sou o curto espaço que se dá entre a ponta da unha e a sujeira de onde a mão deseja pousar. Sou tantos, ou melhor, somos tantos e ao mesmo tempo não somos ninguém. Afirmar ser ninguém talvez me deixe na posição confortável de ser alguém. Mas, enfim, por que precisamos saber quem somos? Eu procuro sempre ser qualquer coisa de imoral. Qualquer coisa exagerada. Inconcebível. Qualquer coisa de incomum. Incomum ao que me prendo. Pois minha identidade é minha jaula. E é lá onde não consigo urrar. Porque é através do silêncio do meu urro que procuro manter em mim qualquer coisa de um “tango argentino”. Contudo, deixo-me acontecer. E tudo que acontece em mim é por demais escandaloso. Como por exemplo, um lodo que emerge macio em meu cérebro. Sou qualquer cérebro. Qualquer alma desarmada. Ou então uma alma amada. Toda alma amada é escandalosa, exagerada. O amor por si é um exagero. Amar é uma forma de desconhecer-se. Sou então a ponte entre o desconhecido e um gole d’agua. Não sei se é preciso ser muitas coisas para chegar a conclusão que na verdade não somos nada. Tudo que sei é que quando parto a procura de mim fica sempre uma tristeza no canto de minhas pupilas. Mas é uma tristeza tão miúda que não é sequer capaz de afrouxar uma lágrima no canto de meus olhos dormentes. Frios. Sou a frieza. O abraço que se dá em um cadáver em pleno inverno. Tento sempre não me achar. Pois que toda procura é distração. Existo com cuidado. Existo qual uma faca atravessada. A existência para mim foi sempre um acidente. Eu sou o antes. O quase. O talvez. Ou mesmo o nem sempre. Vivo porque me é necessário a vida para compor minha vaidade. Contudo, não peço vida. Antes o fim do que não creio. Começo em mim e termino em outro. Sou inatingível. Por isso escrevo. Escrevo por ser a maneira de me sacanear. Escrevo por não me entender. Que seja a incompreensão a minha maneira mais escandalosa de exagerar, implicitamente.

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