30 abril 2009

 

Apenas um “tloc”!



Existem barulhos que conseguem ser poéticos. Ou pelo menos interessantes. Cheguei à conclusão disso quando, indo para o trabalho, vi uma mocinha de aproximadamente uns 17 anos tentando com dois dedos (indicador e médio) puxar a calcinha que lhe entrava sei lá em que partes. Sei apenas que aquele barulhinho “tloc”, da calcinha sendo puxada foi por demais interessante aos meus ouvidos. A bem da verdade, não posso dizer que a calcinha estava entrando em lugar algum. Mas se não estava entrando, pelo menos se fazia apertada. Muito apertada ante sua geografia íntima. [prometo aqui não perder o fio do raciocínio, pois estou retomando este texto um dia depois. Visto que na hora que estava o escrevendo, no trabalho, o patrão me chamou]. Também seria demais afirmar em que canto apertava. Sei que paralelamente ao “tloc” houve uma leve inclinação de suas nádegas, como se barulho e inclinação suspendessem os dedos que tentavam largar a calcinha que apertava talvez as suas “vergonhas”, como diria Pero Vaz de Caminha. De tudo aquilo que conseguiu me chamar atenção, apenas o “tloc” da calcinha sendo puxada, por cima de seu short, foi mesmo a personagem daquela minha manhã. Ah, se Deus soubesse o quanto um “tloc” desse faz bem à vida um homem!

27 abril 2009

 

Sobre a forma


Há umas coisas que passam pela nossa cabeça quando escrevemos que até nos assustam. Ora, eu estava imaginando um cabo curvo que estava se enroscando no pescoço de um homem, que não apresentava feições nenhuma no rosto. Era um cabo que se transformava em fogo e se partia ao engasgar esse homem. Depois de partido, o cabo saia a faiscar pelo céu emanando fogo entre as árvores de uma pracinha modesta, em que apenas os pombos a povoava quando desciam a ciscar no seu chão cimentado. Obviamente não consegui conectar nada com nada. Porém ciente de que tudo isso tem uma razão. A questão é só dá a forma disso ao leitor. Estou tentando amadurecer esse prévio enredo. Contudo, ainda não sei que forma terá esse conto. É um dos primeiros contos que farão parte do mais novo livro que escrevo. Vamos ver pra onde vai. Vou escrevendo, dando formas, enquanto esse cabo fica martelando minha mente, e as palavras me engasgando.

24 abril 2009

 

Do que não sei

Vem triscando mais um fim de semana. Mais uma semana que obedeço ao corre-corre de tentar vibrar como mais um sobrevivente desse modelo de vida capitalista que sou obrigado a viver. Ou melhor: sobreviver. Verdade é que, à custa do trabalho, tenho sacrificado muito meus espaços de leitura no decorrer deste último mês. Tenho escrito muito. Porém a necessidade de leitura em mim parece ser intransponivelmente maior do que a necessidade da escrita. E quanto a isso venho me conformando. Fato é que eu não seria tão radical a ponto de dizer que “eu viveria sem escrever”. Até porque penso que a condição de minha existência também está diretamente ligada a minha condição de escrevente. Por isso é que vivo dando laços e mais laços nas palavras, ainda que elas acabem me embaraçando como carretel de moleque quando possui uma pipa pela primeira vez. É sempre isso que me instiga a vir aqui pelo menos pra dá o ar da graça e dizer que a vida é isso mesmo. Pra dizer que a vida é sempre um buscar “viver sem um arranhão”. O resto, não sei.

16 abril 2009

 

Andar, andares


Subiu ao 3º andar. Não havia dito nada. Tinha acabado de entrar no apartamento como se estivesse com os testículos amarrados. Quase que se arrastando. Em tom de silêncio, tinha sentado no sofá sem ao menos fazer qualquer barulho que fosse. Deitou a cabeça na almofada. Com alguma leveza tentou alcançar o controle da televisão. Seu braço foi pouco para fazê-lo. Como se o corpo tivesse vindo de uma batalha, permaneceu ali sem que os de casa o percebesse. Havia entrado e não notou sequer a mesa posta. Talheres e copos de acrílico a sobrepunham. Novas cortinas balanceavam rente ao vento que agredia o tecido fino que a compunha. Era leve a luz do abajur que tentava segurar a claridade do dia, que regressivamente dava sinais de abandono. Por muito que fosse, aquela cena não era algo que conseguisse obstruir o cheiro da comida que evadia dos pratos à mesa sobrepostos.

***
Houve algum ruído lá embaixo. “Pode ser o papai”, disse um deles. A mãe retrucou: “deem uma olhada, vejam se já foi ele que chegou mesmo”. Os dois correram até a antesala. “Dá uma olhada pela janela para ver se tem alguém lá embaixo tocando em um dos interfones”, repetiu o menor. Passaram pela sala sem que percebessem as almofadas ao chão. Apenas a janela central da antesala os atraiu. Encostando o peito na borda inferior dessa janela, ao olhar janela abaixo, o filho maior viu o corpo do pai estendido, de costas para cima. Era sangue o que escorria pelas orelhas e estampava a calçada. O corpo parecia estar mole, com os membros como que partidos. Parecia ainda arfar, ou mesmo está engasgado com o ar que lhe fugia pela boca. Sequer deu tempo de os meninos gritarem, os que passavam pela rua já o haviam feito, e já haviam partido para cima daquele homem que havia se jogado janela abaixo. E agora, em que andar o pai daqueles dois meninos estaria agora?

11 abril 2009

 

Paralelos entre Alcoforado e Florbela

Foto: Florbela Espanca



Tela: Mariana Alcoforado

É interessante, quando se fala em mulheres que despejaram suas dores em seus escritos como vem logo à tona os nomes da Mariana Alcoforado e da Florbela Espanca, apesar destas duas terem vivido em épocas largamente distintas. Sobre a primeira, atribuem-se cartas que circulavam com transbordamentos líricos de um amor quase impossível, tendo esta freira como autora, descoberta muitos anos depois. Da segunda, poetisa de forte pulso sentimental que escreve sob o prisma de uma conquista intangível. Pensando bem, há mesmo algo em comum entre elas. Ressalte-se que uma na prosa, outra na poesia. Por ora, percebe-se a dor da impossibilidade a qual as duas agarram por se verem insaciadas. Transcrevo um escrito de cada autora, paralelos de almas femininas que se prenderam a uma poética de evasão:

“Ordena-me que morra de amor por ti! Suplico-te que me ajudes a vencer a fraqueza própria de uma mulher, e que toda a minha indecisão acabe em puro desespero. Um fim trágico obrigar-te-ia, sem dúvida, a pensar mais em mim; talvez fosses sensível a uma morte extraordinária, e a minha memória seria amada. Não é isso preferível ao estado a que me reduziste?
Adeus. Era melhor nunca te ter visto. Ah, sinto até ao fundo a mentira deste pensamento e reconheço, no momento em que escrevo, que prefiro ser desgraçada amando-te do que nunca te haver conhecido. Aceito, assim, sem uma queixa, a minha má fortuna, pois não a quiseste tornar melhor. Adeus: promete-me que terás saudades minhas se vier a morrer de tristeza; e oxalá o desvario desta paixão consiga afastar-te de tudo.”

(Mariana Alcoforado – trecho da Carta 3ª)


Amor que morre

O nosso amor morreu... Quem o diria!
Quem o pensara mesmo ao ver-me tonta,
Ceguinha de te ver, sem ver a conta
Do tempo que passava, que fugia!

Bem estava a sentir que ele morria...
E outro clarão, ao longe, já desponta!
Um engano que morre... e logo aponta
A luz doutra miragem fugidia...

Eu bem sei, meu Amor, que pra viver
São precisos amores, pra morrer,
E são precisos sonhos para partir.
E bem sei, meu Amor, que era preciso
Fazer do amor que parte o claro riso
De outro amor impossível que há-de vir!

(Florbela Espanca)

08 abril 2009

 

Várias faces e pensamentos de Freud


“Como fica forte uma pessoa quando está segura de ser amada!”

“A felicidade é um problema individual. Aqui, nenhum conselho é válido. Cada um deve procurar, por si, tornar-se feliz.”

“Somos feitos de carne, mas temos de viver como se fôssemos de ferro.”

“O pensamento é o ensaio da ação.”

“A renúncia progressiva dos instintos parece ser um dos fundamentos do desenvolvimento da civilização humana.”

“A religião é comparável a uma neurose da infância.”

“Se quiseres poder suportar a vida, fica pronto para aceitar a morte.”

“O homem enérgico e que é bem sucedido é o que consegue transformar em realidades as fantasias do desejo”.

“É quase impossível conciliar as exigências do instinto sexual com as da civilização.”

“Um homem que está livre da religião tem uma oportunidade melhor de viver uma vida mais normal e completa.”

“A inteligência é o único meio que possuímos para dominar os nossos instintos.”

“Nenhum ser humano é capaz de esconder um segredo. Se a boca se cala, falam as pontas dos dedos.”

“Eduque-o como quiser; de qualquer maneira há-de educá-lo mal.”

“Nós poderíamos ser muito melhores se não quiséssemos ser tão bons.”

“A sede de conhecimento parece ser inseparável da curiosidade sexual.”

04 abril 2009

 

Sobre o que as bolas de gude nos ensinam



Tem cenas que só da gente vê, dá vontade de escrever um livro sobre elas. Particularmente, aconteceu comigo esta semana, quando presenciei uma dessas cenas. Quando passando pelo centro da cidade, e vi um mendigo pedindo ajuda e equilibrando uma bola de gude no nariz. Embora pequena, a bola de gude, popularmente chamada de “ximbre”, se equilibrava com uma tração incrível na ponta do nariz do indivíduo. Foi quando descobri que aquilo era mais do que talento ou habilidade. Era um desafio tão somente às leis da física. E mais: era uma afronta à crença de qualquer um. Só que o mal disso era que as pessoas que passavam por ali só o viam meramente como um pedinte, quando na verdade ele se tratava de um artista. Porque “aquilo” também é arte. Nunca havia visto uma coisa daquela antes. E se tivesse visto não lembrava. A performance daquele sujeito me fisgou de um jeito que não tive como não dar-lhe pelo menos uns R$ 10,00. Aquele artista/pedinte descosturou todas as idéias que me deixavam com uma pulga atrás da orelha, quando me falavam sobre equilibrismo. Ora, logo com uma bola de gude, coisa que eu sempre curti muito na infância. Gostei demais do que o pedinte fazia com a ximbre. Lembrei das vezes que eu ia jogar com os meninos mais espertos quando criança, e perdia sempre. Resultado: voltava pra casa aos prantos, num choro inconsolável. Prometia pra mim mesmo que iria ganhar na próxima vez. Não era sempre que acontecia o esperado. Mas jogava sem parar. Nunca aprendi a desistir. Ao invés de equilibrar uma bola de gude na ponta do nariz, aprendi a equilibrar o mundo nas costas, como se fosse uma criança que ganha sempre com as ximbres que perde.

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