31 outubro 2006

 

JOSY E A POESIA REVELAM A BAGATELA QUE SOU


Nunca duvidei do silêncio das pessoas. Sobretudo, do silêncio das pessoas que se inclinam às letras e parecem calar frente à zoêira da vida. Geralmente são assim: pessoas de alma elevada, ou têm boas idéias, produzem textos (engavetando-os ou não), ou ainda, pessoas surpreendentes em sua essência. No caso de Josileide – colega minha de Faculdade – ainda não soube ao certo acrescer o que posso esperar dela além de uma Grande poetisa. Pois, nesta postagem o leitor se convencerá disso ao ler o soneto exposto abaixo. Não sei também se ela tem alguma pretensão literária. (Talvez isto pouco importe). O fato, é que minha empatia por seu soneto, nasceu de forma natural, na oportunidade de trabalhos realizados na Faculdade, dentro da disciplina de Literatura Brasileira II, quando estávamos estudando o Romance indianista de Alencar. À vista disso, houve uma solicitação do professor: produzir um texto qualquer sobre Iracema. Ao lavrar este soneto e ao lê-lo, confesso que Josy conseguiu estuprar-me os ouvidos. Como canção de vaqueiro à boiada. Primeiro, o que me fisgou é que não sou de sentir e tampouco gozar ao ouvir poemas líricos; depois, sem querer tirar os méritos demasiados da fulgura sentimental que o soneto carrega, não me enterneço com poemas de amor. Mas aconteceu. Prova de minha insignificância frente à força da poesia. Deixando esses detalhes de lado, é melhor que o leitor desfrute logo deste exímio texto. Sem delongas, vamos ao soneto:


SONETO À VIRGEM


Oh doce virgem das matas
Que graça emanas tão pura?
Quiçá em gentil formosura
A ira da terra exaltas!

Da guerra, tua face é poema
Rompendo o lascivo desejo
De ter-te na fúria de um beijo
Suave matiz de açucena!

Se o sangue que ousaste jorrar
Fizera em teu peito ecoar
Um ínfimo instante de dor

Não temas virgem, não finda!
Ecoa mais forte ainda
O som de teu trágico amor.

(Josileide Ferreira)

28 outubro 2006

 


VILEZA

Cuspo em tua boca
o meu amor impuro:
mesmo assim vibras
em minha saliva amarga.

Tens meu fel como água,
meus deslizes como desejo.
Sou todo teu em pecado.

26 outubro 2006

 
(do livro: Livro de Reminiscências)

A PROFESSORA SEVERINA ME ENSINANDO A ANDAR COM JESUS


“Certamente não foi o segundo livro a causa única do
meu infortúnio. Houve outras, sem dúvida.
Julgo, porém que o maior culpado foi ele.”

(Graciliano Ramos)


Devia estar mais ou menos na 5ª série. As aulas de Língua Portuguesa eram ministradas pela professora Severina. Uma cinquentona. Senhora de ombros largos, alta, meio gorda, pernas compridas, cabelos curtos, voz firme, cheirava a cigarro, tinha olhar de bicho e a boca de pouco riso. Todos sabiam o quanto ela ia além
da palavra “Grosseria”. Um dia ela arrastou um colega pela camisa até a coordenação, por ele ter dito que não via finalidade nenhuma em aprender “o substantivo e suas classificações”. Lembro que ela entrava na sala de aula e a aflição da turma parecia vir junto: os corações palpitavam mais forte, as pernas de uns tremiam, as mãos de outros suavam, e as bocas de todos emudeciam:
- Abram os cadernos, e sem fazer perguntas, copiem o que vou escrever no quadro!


Quase toda aula era assim. Mas o que mais me impressionava eram os trabalhos de impressões de leitura que ela nos incumbia. Certo dia, (pré-) escrevendo um desses trabalhos no quadro, em meio a angústia e o fungado tenso daquela turma, D. Severina solicitou a leitura do livro Andando com Jesus, do Domingos Pellegrini.
- Leiam: e ai daquele que não lê-lo. Quero ver quando eu perguntar sobre o livro quem é que vai, aqui na frente, querer ficar me enrolando, como pareia de cego. Ouviram! Leiam, estou mandando. Leiam pra ver se viram gente. Moleques relapsos!
Daquele dia em diante foi um tumulto, um alvoroço. Todos se rebolavam a fim de comprar o livro. Uns logo compraram, outros demoraram mais que uma semana. O prazo para ler o livro era de quinze dias. Acredito que demorei, ou melhor, meus pais demoraram onze dias para comprá-lo, pois diziam não ter dinheiro. Compreendia, afinal de contas, meus pais não podiam me comprar quase nada. Quem pagava meu colégio eram meus padrinhos. E daí uma pressão a mais para me preocupar com o azul da caneta em meu boletim.


Chegou o dia da apresentação oral das impressões de leitura de cada um. Uns chegavam na sala como se estivessem chegando a um velório, outros entravam na sala como bois em matadouro, e outros ainda, eram empurrados pelos próprios pais sala adentro. Tinha lido o livro de Pellegrini em quatro dias e - em relação a alguns colegas - estava um pouco seguro. Nesse dia, a sombra da professora no corredor da escola foi, sobretudo, trágica. Lembro que uma colega desatou em lágrimas sem ao menos a srª Severina ter avançado 3 metros da porta daquela sala de aula. A professora ao levantar a cabeça percebeu a menina chorando, e, muito fria e áspera, disparou:
- Deixe de frescura, levante, vá ao banheiro lavar a cara, e retorne rápido, que você será a primeira a iniciar nossos trabalhos. Já pro banheiro... Moleca mimada!


E assim, quando nossa colega retornou, começaram logo as exposições. “Fale, o que você entendeu sobre o livro”. Era o que a professora pedia. E a maioria começava: “Eu, eu, eu,...” Então a D. severina rebatia: “ ‘Eu, eu, eu,...’ nada! Vá sentar: Zero!” E largava a caneta vermelha da Bic na caderneta. Devo ser honesto e esclarecer que de 35 alunos, uns 5 haviam conseguido “falar sobre livro”. Chegou minha vez, estava roendo as unhas. Por ordem de chamada era um dos últimos, sempre foi assim. Com o tom de Hitler, a professora pediu que eu viesse à frente, como todos o faziam. E, lógico, o mesmo questionamento: “Fale o que você entendeu sobre o livro!” Confesso que a goela secou, o coração acelerou, a pernas bambearam; mas mesmo assim me expus:
- Professora, pouco se sabe sobre a infância e a adolescência de Jesus. Esse livro fala sobre um Jesus que não está na Bíblia, aquele que gera inúmeras especulações, onde a personagem... (fui interrompido)
- O quê?! Um Jesus que não está na Bíblia? Ora essa, que abobrinha... vá sentar moleque atrevido, gosta de aparecer, hein? Só que o que vai aparecer agora é uma nota vermelha em seu boletim, seu pirralho enxerido!


Fui sentar em meu canto, com o juízo pesado como um elefante. Queria “falar sobre o livro”... Iria falar sobre as aventuras, viagens, a amizade de Jesus com um sábio japonês. Puts... tive que engolir tudo isso. Ao final das exposições, ou melhor, das tentativas de exposições de cada um, D. Severina deu o seu tradicional sermão, retirando-se da sala com o ar de missão cumprida. A próxima aula seria de Religião - talvez hoje extinta das grades curriculares das escolas. A próxima professora seria a Irmã Maria José, iria falar sobre Jesus. Não o Jesus do Domingos Pellegrini, não o Jesus da professora de Português, mas sim um Jesus que eu procurava andar com Ele, embora às vezes tivesse a sensação de que Ele havia me abandonado. Sentia não andar com esse Jesus, mas com seu conseqüente abandono, quando lia algum livro e Ele não me acudia, na hora das avaliações da professora Severina.

20 outubro 2006

 
FRATURA

Nossas vozes soam lentas,
pois os homens fecharam suas portas à poesia

(que sendo
nossa
irmã:
trafega às duas da manhã
no folheto jogado na rua).
Há pessoas que não
Sentem
o
osso estalar
enquanto o poeta engessa
o fêmur
para
a poema mancar.

 


DEPOIS DO EXPEDIENTE

Sobrou talvez
na sola da mão
o suor do dinheiro,
sem restar a esperança
e também o esperma:
que umidece
a vagina aflita.

13 outubro 2006

 


(do livro: Livro de Reminiscências)
PÉ-DE-PICA
A ferida ainda estava por sarar. Percebia-se. Pois, o abanar das mãos procurando tanger as moscas era ineterrupto. Escorria um líquido viscoso, que, ora tomava dimensão de remela, ora de tutano, de mocotó de boi. Estava de fora. O joelho estava arrombado. Onde já se viu dá "carrinho" numa rua asfaltada? Mas tudo valia! Era pouco o tempo pra resolver a parada. Dois gols ou dez minutos. Essa era a principal regra. Alguém havia pedido pra sair, me convocaram. Resolvi entrar. Teimoso. Coxo. Restavam dois minutos. A bola sobrara pra mim, cara a cara com a "barrinha". Não iria errar o alvo, era bom de pontaria.

Fechei os olhos larguei o pé na bola. Uma senhora passava lenta, no outro lado da calçada. Minha pontaria falha conseguiu atingi-lhe o lombo. Caiu, estupefeda, tonta. Uns começaram: "grosso", "doido", "pé-de-pica" etc. E, outros - poucos - realmente se preocuparam com aquela decrépita mulher. Confesso que não sabia o que fazer. Com as mãos espremendo a cabeça: ficara passado; mas não sabia se estava daquele jeito por ter acertado a senhora ou por ter perdido um gol tão fácil. Corri dentro de alguns segundos para averiguar a situação da velha.

Mal cheguei perto daquela vítima de meu chute, e um homem de estatura mediana a pôs em seus braços substanciosos, carregando-a com rapidez para seu carro. "Vai levá-la ao Hospital", um dos meninos afirmou. Daí pra frente não tivemos mais notícias da velha. Também nem sequer procuramos. A velha se foi. Ficou em mim um apelido que nunca entendi. Afinal, "pica" não atira nada. Goza, faz xixi. Sem a intenção necessariamente de atingir em algo para o seu deleite. Mas deram pra me chamar sempre de "Pé-de-pica". Ironia. Pois era um dos que melhor batia na bola.

Todavia, meu joelho durante uns três dias ainda continuou liberando aquela secreção esbranquiçada, pareceu depois com gema de ovo podre, até que veio a parecer com esperma. "Meu joelho está gozando", pensei. Fiquei imaginando, essa vai ser boa para os meninos: um "Pé-de-pica", que goza pelo joelho!

08 outubro 2006

 

2° TURNO!
"Pombinha vôou, vôou/caiu no laço se embaraçou..."
(cantiga de roda - popular)
Poderia está terminando de tomar esta cerveja pensando em outras coisas. Mas estou aqui a pensar no amargor da fé brasileira, na sensação de impotência do brasileiro. Nos dias atuais, vive-se no Brasil a estagnação do sentimento nacionalista. Sobretudo, no que diz respeito a escolha medíocre e infame que devemos fazer neste 2° turno.
Escolher entre a pomba e o gavião.
É bem verdade que Lula nos é menos prejudicial. Pois, mesmo com o pulso flácido, ainda representa a massa oprimida. Com ele o povo ainda consegue manter acesa a chama de uma guinada social neste país. Mesmo nos fazendo tentar esquecer da canalhice que ocorreu com veemência em seu partido durante seu mandato(o que nos deixa "com uma pulga atrás da orelha"), e ainda sim, tentando testar a tolerância do povo, ao nos fazer engolir sua falta de esclarecimento público e coerente, sobre o recente e fatídico caso do "Dossiê", além de sua imbecil estratégia de negar sua participação nos debates, o que creio que tenha sido um dos principais motivos que o levara ao segundo turno.
Já, se colocarmos o Alckmin no poder, estaremos aí entregando o país mais uma vez à classe majoritária e opressora. Pois o candidato "pê-eme-dê-bista" veste seu melhor traje, sua oratória a la FHC para ludibriar a massa brasileira com suas propostas neo-liberais, fantasiadas de profecias divinas. É... como o leitor percebe, tá foda mesmo esse 2° turno. Mas tudo bem. Vamos fazer de conta(só dá pra fazer isso mesmo!) que esses dois candidatos são apenas um casal de namorados brigando após um sarro bom, briga boba mesmo, brigam porque querem o melhor. Deixemos eles. Deixa Lula-lá, tá bom, já estou cheio de Álcool em mim.

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