27 agosto 2009

 

Para o inacessível

Se fica aqui o pouco que tenho, fica o não escrito. Vou pisando cada palavra como se amassasse a polpa de uma fruta que nunca ousei morder. Eu admito que não consigo ver a fruta que falo. Mas que mal teria em não enxergá-la? Ter olhos tão pequenos e não poder ver toda superficialidade de uma fruta madura gera sempre a sensação de que deveríamos ter mais olhos. – Olhos para fechar, abrir, chorar, e entregar à terra toda forma bruta das pupilas que um dia desfalecerá sem medo.

Como nossos braços são poucos para abraçar o mundo – como o mundo é pequeno para morrermos nele! Qual lugar fossem as palavras que lançamos a nós mesmos. Ás vezes penso que escrever foi sempre a maneira mais angustiante de não se dizer nada. É que frequentemente estamos tão agoniados que procuramos sempre o silêncio e a morbidez das palavras para darmos o fora das dores que nos irrompem. É fraqueza fugir delas. Pois a fuga para as palavras é uma fuga para o inacessível.

24 agosto 2009

 

Do que jorra

Deito ao teu lado como quem tem medo da chuva que cai. Francamente, não conhecia estes medos que em mim surgem de um momento para o outro. – é que são tantos rios desaguados que chego a pensar que a fonte que jorra só você pode entender. Apesar deixar algumas palavras de lado, é só o silêncio que me compreende. Deito para acordar. Levando para dormir. E mesmo sendo contrário ao que invento, aprendo a lição de deixar ser tocado como o trinco de uma porta. Passo a mão em minha testa; não, não é suor. É algo que me afronta. Deslizes talvez.

17 agosto 2009

 

Quando se vestir for pouco

Pintura de Pablo Picasso

Olhava surpreendido. A minha vista recuou ao perceber um instante de cor que cobria todo o rosto. Um rosto que ora apresentava um contorno, ora abria em luz um feixe de suor. A boca parecia com um couro seco. Era pecado imaginar. Não fosse a ínfima diferença que me aturdia os olhos. Pois meus olhos não pediam nada. Eram tão sérios como uma gengiva sem dentes. Tão quietos como uma mão que dorme. A parte mais difícil que eu teria que executar era olhar. Não apenas olhar, mas perceber em cada gesto a culpa que tinha por não ter nascido com as mãos atadas, sem nada poder fazer. Porque nada pode fazer quem não entende o que é um gesto de quem não sente culpa.

Eu jamais teria ter que ter voltado ali com as mãos vazias como se nada quisesse dizer. Pois quem não tem nada dizer é melhor que morra. É porque no momento eu não estava disposto a roer minhas unhas e socar minhas mãos no bolso como quem deve a muitos. Eu tinha somente a frieza de ficar observando ele enquanto dormia. Pudesse passar ou não passar as mãos no sangue que tinha espirrado de seu braço o faria. Só não havia entendido porque não dei a liberdade de ser tomado por curiosidade tamanha.

Mas só de olhar me surgia uma ânsia de fome. Não uma fome das que espera por comida que forre o estômago. Mas uma fome que espera ser forrada por um estômago. Não era mal eu ter pensado em desistir, cobri-lo com um pano ou lençol e fazer de conta que não tinha ninguém ali. Porém era um pouco de mim que ali estava. Uma coisa meio “eu naquilo”, “aquilo em mim”. O pouco de mim que restava, estava ali. E eu não queria pensar que fosse de outra maneira. Pois foi pensando no que ali ia ficar que fui saindo, como quem se veste antes de tirar a roupa anterior.

08 agosto 2009

 

Das pequenas Grandes coisas

Pintura de Caravaggio

É sempre bom aquele mundo da gente onde certas coisas vão se desfazendo. Aquela dorzinha que vai nascendo de manhã, quando a gente vai acordando sem disposição para nada. Num momento quando não percebemos nossa luta pelo desejo de estarmos tão dentro de nós com a imbatível capacidade de ficarmos quietos. Tão dentro de nós como uma rolha que mergulha na própria garrafa de vinho. Sim, sempre foi o dia de ontem o mais difícil de se dizer. Porque o que vem, é só a gente inventar: mascarar as coisas, enfeitar nossos rostos, jogar a serpentina na calçada do vizinho e fazermos de conta que o carnaval está em nossos pés. E aí já haveríamos esquecido aquele lento acumulo de perplexidades que nos persegue todos os dias. A gente fingia que desmoronando somos mais felizes. Daí pensaríamos como seria o nosso castelo, quais jardins levaríamos para dentro de nosso muro.

Não nos assustaríamos. Escuta, fingíamos brincar de inventar o ininventável. Faríamos parte do que não nos cabe: dizer. Que os outros vissem. Será se seria loucura nossa, costurar cada fio da manhã que fosse se configurando pela madrugada que juntos atravessaríamos? Não, pensando bem, talvez não. Todavia a gente já na madrugada poderia já se sentir livre; iríamos riscar as paredes, comer doces, correr na chuva, desafiar o frio, catar folhas de árvores. Com todo o cuidado de um dia jamais esquecer disso tudo. Pois quando a gente esquece das coisas, a gente esquece de quem um dia poderíamos ter sido. Já pensou se um dia nós esquecêssemos que ajudamos uma senhora velhinha atravessar a rua? Neste instante quando dobramos a esquina com ela, ela nos disse que cada dia era um tijolo que esquecia o cimento que lhe fora posto. Rimos juntos e nunca entendemos aquilo. Que bom. Quantas coisas descobre-se sem querer: esperamos mesmo achar o sentido para aquelas palavras que nunca dissemos um ao outro.

07 agosto 2009

 

Da leitura em família


É engraçado como o tempo modifica os valores. Em pensar que a Literatura já fez parte do cotidiano das pessoas, e hoje passou a ser algo quase totalmente escanteado do seio da família. Minha idade não permite eu afirmar que há algum tempo era assim, e em outro tempo era assado. Mas já li e escutei diversos depoimentos de pessoas entendidas e, óbvio, com mais idade do que eu, que afirmaram que era hábito o pai ou a mãe, após o jantar, ou o almoço, ou antes mesmo de dormir, ler algo para os filhos, comentar um trecho de um poema ou de um conto, sugerir leituras, enfim, estimular o intelecto de suas crianças para leitura e escrita.

Por outro lado, isso revela também o vínculo afetivo que a Literatura é capaz de causar. Ah, mas arte literária não era vítima da besta quadrada que é a televisão em nossas casas. Digo isso por experiência própria. Na minha casa tem 4 televisões. E olhe que minha casa não é grande. Pois, diariamente, quando chego a minha house, após um largo dia de trabalho, quando passo pela sala, meus pais e meus irmãos nem piscam. Meu "boa noite" sequer é respondido.Todos fisgados na novela das seis. A diversão para os lá de casa é a TV. Eu é que faço amizade com os livros na instante da dispensa.

Ora, a partilha de leitura não ficou só dos pais para com os filhos. Embora seja real que na maioria dos casos sempre foi e é assim. Porém, o cearense José Alencar mudou um pouco isso, em seu espaço familiar, no século XIX. Em suas memórias, Alencar confessar ter lido para sua tia, e também para sua mãe. E ainda assegura ter visto brotar lágrimas desta última quando determinada vez esta se pegou cheia de ternura ao escutar aquilo que seu filho lia. Ah, mas hoje em dia o diálogo familiar é muito fragmentado. Cada membro da família ocupa sua posição e pronto. Ocupar posição não que dizer saber cumpri-la bem. E é aí onde surgem os pais que não sabem cumprir suas posições, quando se mostram indiferentes ao desconhecer que educar um filho é também mostrar a ele o caminho mágico da leitura, o mundo que abre sua cortina quando as páginas de um livro vão se encerrando.

06 agosto 2009

 

Ronaldo Correia de Brito conquista prêmio São Paulo de Literatura

Foto: escritor Ronaldo Correia de Brito

Desta vez o Prêmio São Paulo de Literatura, edição 2009, foi para as mãos de Ronaldo Correia de Brito; escritor cearense, mas que reside com muito fervor em Recife. Confesso que de Ronaldo só li um conto seu. Há muito tempo. Ainda não li nenhum de seus livros. Ronaldo conseguiu faturar R$ 200 mil do citado prêmio literário, atualmente um dos mais importantes do país. Foi premiado na categoria melhor livro do ano, com seu primeiro Romance “Galiléia”. O prêmio de melhor autor estreante foi para o gaúcho Altair Martins, pelo livro "A Parede no Escuro". Entre os mais de 200 inscritos, foram estes os escritores que, a partir deste prêmio, se destacarão mais ainda na cena da Literatura contemporânea. Ronaldo, o mais conhecido. Autor de “Baile do Menino Deus”, um auto de natal exibido pela Globo no fim de 2007 (salvo engano), que despertou muita simpatia por parte da crítica. O cearense é autor do dos livros de contos “As Noites e os Dias” (1997), “Faca” (2003) e “Livro dos Homens” (2005), e da novela infanto-juvenil “O Pavão Misterioso” (2004). Destaca-se também pelas peças “Bandeira de São João” e “Arlequim”. Já era despertada em mim certa simpatia pelo Ronaldo, pelo que já ouvi falar dele. Já tive contato com ele, quando veio a Garanhuns. Veio há pelo menos umas três vezes. Da última vez que veio, no mês passado, não tive o mesmo contato. Prometo que lerei o cara. Boa oportunidade.

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