27 fevereiro 2008

 

A VAQUINHA

Após apreciar, há poucos dias, a pintura de um artista desconhecido – que retratava uma vaca num pasto – lembrei-me da vaca de uma fazenda do tio de um colega meu de infância, que com freqüência eu ficava a contemplá-la nessa mesma fazenda, em que eu era convidado a passar alguns fins de semana. Lembrei-me que eu gostava de ficar olhando a vaquinha magra, borrada de marrom, que todas as tardes se encostava às estacas abarrotadas de arames que formavam o cercado. Era uma vaquinha magra. Magra e vacilante. Com seu couro coberto de carrapatos, ficava de um lado para o outro com a cara pra cima remoendo sua ruminação incessante. Além de sua inquietante ruminação, eu percebia que algo a mais nela me atraia. Decerto, não sabia de todo o que seria aquela atração. (Tinha medo que pensassem que eu teria alguma atração sexual por ela!) Sei que me causava uma boa sensação ficar olhando aquele animal lerdo, de passadas arrastadas, de focinho babado, olhos murchos e rabo balançando. Enquanto meus colegas, e outros que por lá moravam, se preocupavam em ir se lambuzar no açude, eu ficava ali sentado no capim, com as mãos suportando o queixo, admirando aquele bicho, esperando o seu mugido. Achava interessantes, também, aquelas tetas, achava grandes os “peitões”. (Não entendia porque os da minha mãe não eram daquele tamanho.) Que dava vontade dava, de espremer aquele úbere avantajado daquela vaca. Mas se nesse momento me faltava algo, era simplesmente a coragem. A coragem é o motor para qualquer atitude humana. Freava. Então ficava ali, terço, quarto de hora. O sol chegava, se punha. E eu contava as horas na cara preguiçosa daquela vaquinha,vendo sua língua salivante me ruminar o tempo.

18 fevereiro 2008

 

Pintura de Salvador Dali

IMOLAÇÃO DOS OSSOS (Romance)
Capítulo 6


Na minha boca não cabem mais destroços. Palavras presas. Sequer na minha boca cabe o nome de (*). Agora arfante nervo seco. Nasço. (E nascer já me foi bem mais difícil.) A lama me toma: e eu minha voz, (*) e seu grito. Na minha continuidade me dissipo. Em minha larva obscena – a janela que me encurralo. Vislumbro a massa pastosa que me escorre pelas pupilas. Encharco meia lua pó sereno minguante escuridão. Daqui só me envergam palavras ventanias que me batem o coração estúpido. (E o homem só é estúpido quando seu coração bate à toa.)

Nasço outra vez.

(E se nascer for uma contagem regressiva?)

(E se nascer for a sombra silenciosa da morte de tudo em que acreditamos?)

Tenho no peito uma cortina que refrata luzes aflitas. Contínuas! Na verdade tudo que há em mim precisa de mais um pouco de escândalo. Antes eu não sabia o que era escândalo: essa força que nos liberta de qualquer proibição contrafeita. E se existe uma força que nos liberta existe também a que nos aprisiona: amor ventania robusta sobre a as velas cardíacas.

– Acho a madrugada em minhas unhas. Você que me lê não diz nada? O que há então?

Um fio luzente.

Uma pele encoberta.

Conheço a manhã. E não é a pele de (*). Pois lembro que da última vez este perfume não estava em seu corpo. Nem deixei o meu no seu. O amor não deixa perfume, mas se não o embalsamarmos bem, sua carniça nos sopra ventos cheirosos... Contradição? O que é o amor senão a contradição daquilo que a gente efetua sem saber seu devido valor? O que faço por (*) é escrever com a mão esquerda. Sentindo as palavras que desconheço; porque na hora em que tento conhecer as faces dessas palavras, elas me fogem como peixes no aquário. Vou então escrevendo: para desconhecer as palavras que acredito me fugirem.

14 fevereiro 2008

 

E agora, é o fim?

Mais uma página dos dolorosos últimos anos da cerreira do "Fenômeno". A repercussão é geral no meio esportivo. Aos 31 anos, após mais um incidente em seu joelho, há um "zum-zum-zum" muito grande acerca de sua volta aos gramados depois do parecer cirúrgico que aponta para um período de 9 meses a 1 ano para seu retorno ao futebol. Expresso meus sentimentos a o último Grande atacante que teve nossa seleção brasileira de futebol. Força Fenômeno!

09 fevereiro 2008

 

PROCURO ME EXCITAR!

Iniciei a leitura do livro 200 Crônicas escolhidas (“as melhores”), de Rubem Braga. (Fui à casa do poeta Helder Hortta pedir tal livro emprestado). Ademais, preciso de uma injeção de ânimo para escrever: ultimamente me sinto assaltado por uma indisposição incrível para me danar na escrita. Talvez, fruto de probleminhas pessoais, que, me desculpem meus leitores, mas não irei expô-los aqui. Só que, enquanto à minha escolha e atração pelo livro, não soube responder ao certo se o escolhi pelo fato de achar na crônica um tipo de texto mais suave e, por vezes, mais instigante para o ânimo do hábito da escrita, ou simplesmente pelo fato de achar interessante a mulher pelada exposta na capa do livro (risos). Mas, enfim, não sei se poderei sabê-lo. Sei que os dois me excitam: tanto a crônica (que alguns viadinhos metidos a críticos literários acham um gênero menor) como a mulher/jovem da capa mostrando-se toda nua de costas, lendo um livro. Acredito que todo escritor tem que está sempre “recarregando suas baterias”, lendo sempre, de tudo; mas nem sempre todos. Leio, portanto, Rubem Braga: único escritor brasileiro consagrado de nossa literatura que se destacou exclusivamente como cronista. Leio e busco excitação para escrever, viver, sorrir. Que eu saiba me refugiar nas palavras: esse mundo de mistérios intranqüilos que me escondo sem cessar.

06 fevereiro 2008

 

A MORTE DE HITLER E DE EVA BRAUN


Já havia passado à hora do almoço. Sem espaço largo para a cesta. Houve apenas pouco tempo para formalidades ou despedidas de qualquer ordem. O ambiente já deixava subir a brisa de um suicídio que parecia manifestar-se já nas primeiras horas daquele dia. A tarde já estava bastante avançada. Céu pesado. Tudo já havia sido pensado. Bem pensado. Recolheram-se a seus aposentos: ele e sua esposa, Eva Braun. Trancaram-se. Os que na sala ficaram, fingiram se enganar sobre o que era incondicionalmente esperado. Uns se olhavam tentando dissimular os nós nas gargantas, outros pareciam querer se enganar e fazer de conta que era apenas um pressentimento tolo que os atormentava. Todavia, o ar de desgraça por natureza já vivia entre eles. Ferrenhamente.

Deu-se, portanto, um bom tempo. Ouviu-se o estalo forte de uma bala estourar quarto adentro. O cheiro de pólvora brotava como flor primaveril. Pronto, era o fim. Ao entrarem no quarto estava Hitler com a cabeça esfacelada, com o crânio aos pedaços, numa mistura de miolos e sangue que se espalhava por toda a alvura do piso branco do quarto. Morta também estava Eva: não encontraram sequer arranhão em seu corpo; contudo, percebia-se um leve fio líquido de cianureto que pouco umedeceu seus lábios: o veneno fatal a fizera morrer com o cenho franzido em meio a um semblante de agonia. Os que se faziam presentes diante daquela cena, mantiveram seus olhos estáticos a cada detalhe lúgubre que aquela situação apresentava.

Assim, os defuntos foram ligeiramente envolvidos em um tecido largo, impregnado de cera, e foram transpostos para o pátio. Lançaram gasolina nos corpos, formando um só corpo ao atearem fogo. Com isso, formou-se uma pira tal qual as fogueiras que os antigos incineravam cadáveres. Desta feita, ao redor dos corpos que ardiam no fogo, era prestada uma silenciosa homenagem como se fosse a última saudação fascista aos olhares estanques que emanavam dos que arrodeavam o fogo, vigorante.

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