24 setembro 2006

 



O VÔMITO


"- Que fazes tu? - Trabalho. - Em que trabalhas? - Penso em coisas sérias." (Dostoiévsky)

Não chamem do vômito o que me alimenta.
Se é com isso que me engasgo
como regugitar o que me compõe?
Se é pra ter paz, quantas guerras
haverei de proclamar?
Se terei que amar, quantas vezes será preciso fracassar?
Não me troquem as armadilhas por pesadelo.
De que adianta ter os olhos para o céu
quando o próprio corpo emerge da lama?
Como ter um minuto de descanso
se são poucos os segundos que
minh'alma alcança?

Espera-se, então, esses dias?
Dias que se camuflam em fósseis
escondidos no tempo,
aleijados no calendário
do último ano.

Então se deseja o refluxo, um tanto viscoso,
que rasga a laringe, formando
os únicos complementos que vêm a compor
o que basta e encerra essa
matéria pastosa que meu corpo engole,
dias a fio, sem o descanso
merecido de minha bílis.


13 setembro 2006

 
SEM RETICÊNCIAS NEM PONTO FINAL

A vida, é preciso reescrevê-la...
mas sem a hamonia da música de Bach,
sem as profecias que a bíblia lacrimeja,
sem a paixão dos que se suicidam em seu próprio aniversário...
Reescrevê-la simples, sem luzes nem velas:
como se fosse o primeiro cio
de uma cadela sarnenta.

Não reescrever os fatos, mas os acasos,
o repentino, o improvável, o suspenso,
o gélido, o nocivo:
E quem sabe daí desperte o silêncio
tumular que engasga o grito
dos que escrevem um epitáfio ou
mesmo dos que escrevem uma carta de amor a uma puta.

Mas longe de conservar na reescrita
a morte como fim da vida,
fazer da própria morte o fim merecido,
onde no final a princesa não mestrue,
abra as pernas ao vilão, que irá lhe disparar
cinco tiros na cabeça, e ainda irá ao
seu enterro: reescrever o que a vida cala
sem reticências nem ponto final ( )

12 setembro 2006

 

ANTI-PENITENCIAL

Se o que sucumbe a dor e a força alheia
escorre entre os olhos e à face pousa,
transforma-se em mergulho
ou em palavra frágil,
cala o peito como o último beijo
ou excitação forçada.

Mas se espera-se a força da pupila marejada
ao que a voz não quer calar,
a apreensão então sobra no último
gole de cerveja quente,
na camisinha estourada,
no filho ao descer descarga abaixo,
na moeda negada ao bandido armado
e na forca fria com um corpo agoniado a estrangular-se.

Contudo, se pelo rosto escorre apenas
esta lágrima como prova de consolo à pupila:
que desça um temporal a ânsia eterna,
mas sem cravar no coração a ternura
dos que choram a dor do gozo,
a ferida aberta ao sal,
a disputa acirrada da morte,
a sensatez dos que morrem
sem pedir perdão.

 
ROMÂNTICA

Do amor quero saber
a próxima vítima
do meu pênis...

09 setembro 2006

 
(do livro: Alma de Pedra)

Do verso (à ferrugem)

I. Tudo que (passa) por aqui
é preso ao choque do ar,
nada que se gaste fora,
coisa que se choca lenta.

II. Já agora no emaranhado
de sensações poucas:
o poema emenda e tora,
distorce e planta a casca.

III. E aos poucos o nó cede o verso
à meia-morte da matéria
(apenas meia-morte leve,
sem mais nem menos leveza).

IV. No entanto nada é gasto,
mas sim preso, conectado;
E o poema resiste ao lirismo
(que pelos poros é filtrado).

V. Torna-se assim um verso vivo
(e sem nenhuma ferrugem),
que se debate em agonia aos
Olhos que o alumínio consome.

08 setembro 2006

 

POEMA GOZADO

Estava dormindo...
de repente em meu sonho ela apareceu nua
sobre meu corpo também nú.
(talvez durante o sonho tenha chovido,
pois acordei molhado).

 
(do livro: Poesiurbana)

PERGUNTA


Ao "poeta" que explicou
seus poemas, pergunto:
- O que sobrou deles?

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