08 dezembro 2007

 

Pintura de Pollock



IMOLAÇÃO DOS OSSOS (Romance)
Capítulo 1

Sou implícito. Ou talvez sou o curto espaço que se dá entre a ponta da unha e a sujeira de onde a mão deseja pousar. Sou tantos, ou melhor, somos tantos e ao mesmo tempo não somos ninguém. Afirmar ser ninguém talvez me deixe na posição confortável de ser alguém. Mas, enfim, por que precisamos saber quem somos? Eu procuro sempre ser qualquer coisa de imoral. Qualquer coisa exagerada. Inconcebível. Qualquer coisa de incomum. Incomum ao que me prendo. Pois minha identidade é minha jaula. E é lá onde não consigo urrar. Porque é através do silêncio do meu urro que procuro manter em mim qualquer coisa de um “tango argentino”. Contudo, deixo-me acontecer. E tudo que acontece em mim é por demais escandaloso. Como por exemplo, um lodo que emerge macio em meu cérebro. Sou qualquer cérebro. Qualquer alma desarmada. Ou então uma alma amada. Toda alma amada é escandalosa, exagerada. O amor por si é um exagero. Amar é uma forma de desconhecer-se. Sou então a ponte entre o desconhecido e um gole d’agua. Não sei se é preciso ser muitas coisas para chegar a conclusão que na verdade não somos nada. Tudo que sei é que quando parto a procura de mim fica sempre uma tristeza no canto de minhas pupilas. Mas é uma tristeza tão miúda que não é sequer capaz de afrouxar uma lágrima no canto de meus olhos dormentes. Frios. Sou a frieza. O abraço que se dá em um cadáver em pleno inverno. Tento sempre não me achar. Pois que toda procura é distração. Existo com cuidado. Existo qual uma faca atravessada. A existência para mim foi sempre um acidente. Eu sou o antes. O quase. O talvez. Ou mesmo o nem sempre. Vivo porque me é necessário a vida para compor minha vaidade. Contudo, não peço vida. Antes o fim do que não creio. Começo em mim e termino em outro. Sou inatingível. Por isso escrevo. Escrevo por ser a maneira de me sacanear. Escrevo por não me entender. Que seja a incompreensão a minha maneira mais escandalosa de exagerar, implicitamente.

Comments:
por aqui tb encontro coisas boas. e boas inspirações para leitura!

abs.
 
(retribuindo a visita)
Tony Monti
www.monti.blogger.com.br
 
Oi Wagner. Obrigada pela visita e ja vim aqui retribuir.

Legal seu blog. Adoro literatura e li Memorial de Aires ha algum tempo atras. No momento esta faltando tempo para ler, mas vamos que vamos...

Ja estas nos meus feeds, assim posso ler seus contos quando publicar-los.

beijos,
Lys
http://universodesconexo.wordpress.com/
 
E o mais incrível de todas as sensações expostas é, quando a nossa emoção deságua em outro coração! O meu se identificou aqui!Putz!
Bj
Obrigada pela visita, apareça!
 
Talvez seja o caso de se adotar o que disse Guimarães Rosa: Viver é muito perigoso.
 
Adorei!
 
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