17 setembro 2009

 

O que se entende por não viver

Foi sem querer que percebi aquele menino de um braço e uma perna coloridos: ele dava cambalhotas, trocava a palavra “assoalho” por “bailarina”, tomava iogurte e deixava aquele bigodezinho de cor azul muito claro. Tinha um rosto de princesa, cabelo meio encrespado e uma barriga um pouco grande. Ele ajeitava a camisa meio suja de sorvete, quando o vi pela primeira vez. O vi e fingi que o conhecia há muito tempo. Não lhe cumprimentei. Apenas desci a mão sobre seu ombro e apertei-lhe a altura da clavícula como se apertasse uma geleia. Foi esse o momento em que cri que de fato ele era diferente: quando ele olhou para mim e me largou um sorriso que me percorreu até em casa.

Só fiz apertar-lhe a clavícula e fui embora. Nada mais do que isso eu posso dizer. Se o fizer estarei mentido. E toda mentira é uma invenção que se destrói. Eu nem sequer puder apelidar aquele menino. Que palavras poderiam ser compatíveis com ele? Era estranho tentar acreditar que poderia fazê-lo. Ele brincava sozinho no meio da praça, com algumas bolinhas de gude. Tinha um jeito meio afeminado de jogar bola de gude. Após lançar as bolinhas fingia dançar, e repetia a meio tom: “do alto desta bailarina, quantos invernos já derramaram suas chuvas...” Era uma canção que não acabava mais. Logo, era um correr sem parar rumo ao um pequeno copo de sorvete a se lambuzar sem querência. O iogurte ele só tomava de gole em gole. Eu nunca pude dizer tanta coisa de tudo que não vivi ao observar aquele garoto. Quanto coisa que ali ficou dito, que eu não pude entender!

Comments:
uma fotografia amarelada ou um velho video
 
Costumeiro de passar os olhos nos intervalos da vida...
 
acho que blogs como os nossos fazem bem o papel de clube do livro, principalmente nesses tempos quando os interessados por boa literatura se reduzem cada vez mais a uma espécie de sociedade secreta.
 
Tanta coisa passa despercebida nos olhos de criança.

Que seu final de semana seja abençoado.

Rebeca


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