02 dezembro 2008

 


foto: escritor Sérgio Sant'anna


CINCO PONTOS (Entrevista do escritor Sérgio Sant’anna ao Jornal Literário Rascunho)


• O Brasil merece um Nobel de literatura? O Brasil precisa de um Nobel?

Acho essa discussão sobre um Nobel de Literatura brasileiro meio provinciana, e me lembra os tempos áureos dos concursos de misses. Mas quantos autores brasileiros já não mereceram o prêmio? Guimarães Rosa, Clarice Lispector, João Cabral. Se eu fosse votar num brasileiro agora, votaria num conterrâneo de vocês: Dalton Trevisan. Inclusive por um de seus méritos — entre tantos outros, como o de criar uma nova forma para o conto —, que é o de não dar a mínima para o prêmio Nobel.

• De acordo com uma pesquisa divulgada recentemente, os personagens literários brasileiros seriam, em sua maioria, homens brancos, urbanos e de classe média. Esses dados são significativos e relevantes? Ou preocupar-se com eles é entregar-se à patrulha do politicamente correto?

Eu ouvi falar nessa pesquisa, mas de uma outra forma. Que os personagens negros apareciam em situação inferior na literatura brasileira. A verdade crua é que as pessoas de raça negra vieram como escravas para este país e, num determinado sentido, sofrem influência dessa condição inicial até hoje. Mas quero crer que está melhorando. E a gente também não pode esquecer que três dos maiores escritores brasileiros tinham sangue negro nas veias: Machado, Cruz e Souza e Lima Barreto. Mas Machado queria agradar a classe média branca, o que era natural, pois nela estavam os leitores. Agora tivemos o fenômeno Paulo Lins e seu Cidade de Deus, que ganhou o mundo. Mas também os personagens de Paulo vivem uma condição social trágica, como grande parte das pessoas de sua raça. Já nos filmes de Jorge Furtado, como no delicioso O homem que copiava, e no interessante Meu tio matou um cara, os personagens principais, masculinos, são de raça negra, e o ator que os encarnou, Lázaro Ramos, vem alcançando um êxito crescente, inclusive como uma espécie de galã moderno. E, para falar de mim, em alguns textos meus há uma forte carga de erotismo provocada pela atração entre raças diferentes. Para terminar, esperemos que uma verdadeira democracia racial e cultural traga cada vez mais personagens não-brancos à nossa literatura, e não simplesmente como empregados ou empregadas.

• Harold Bloom, em seu último lançamento no Brasil (Onde encontrar a sabedoria?), defende que certos livros, produzindo significação, podem colocar os leitores no bom caminho da sabedoria. Sua literatura tem esse objetivo?

Seria muita pretensão minha dizer que meus livros têm como objetivo colocar os leitores no caminho da sabedoria. Só posso dizer que sempre procuro mergulhar fundo no poético, no trágico, no cômico, e tenho pelo menos a ilusão de que os leitores se enriquecem um pouco lendo meus livros. E, paradoxalmente, começo a levar a literatura cada vez menos a sério.

• Com que se preocupa a nova literatura brasileira?

A pergunta é abrangente demais para que eu possa respondê-la, ainda mais por todos os escritores. Mas quero crer que, mesmo sem uma premeditação, a nova literatura reage às provocações da realidade brasileira e de uma realidade global. Além disso, há a preocupação, ou melhor, o desejo de cada autor de empreender sua viagem, muito pessoal, no mundo e de escrever sobre ela. Mais ou menos isso, mas é uma resposta muito imperfeita.



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