30 maio 2007
SOBRE AS COISAS QUE NÃO SE ACHAM
Acabo procurando o inachável. É isso mesmo que devo chamar quando desacho o que estava procurando? Ou será que a tentativa encontrar o que não se perdeu é uma forma de encontrar o que estar não dito? Penso que perco algumas coisas quando tento criar outras, porque no momento que procuro dar corpo ao que se desfaz, acabo fazendo o que não precisava de formas ou mesmo de uma solidez artificial que me levaria a abstrair o que é disforme. Quando evito certas palavras é porque bem sei que em algum momento o peso delas me achatará parte da alma pouca que me resta. É exatamente esse resto de alma que procuro; não como forma de essência, mas como forma de afirmar que algo me pesa quando tento chamar o que desacho - ao procurar o que não fora dito nas linhas vindouras. É como se o orgasmo estivesse sempre na linha impossível, no verso inalcançável, na poesia transversal de tudo que encerra o esfacelamento rítmico de cada sílaba. Todavia, busco no achamento a tentativa de selar o que desencontro na hora em que encontro o que não acho dito. São só algumas palavras que me fogem a alma, esbarram nas coisas criadas a partir do momento que eu desacho o que não se perdeu por ter se desfeito sem forma alguma, sem pretensão alguma do que pudesse vir na próxima linha, no próximo orgasmo que sempre tivesse o tom de algo inachável. Absolutamente inachável. Artificial. Disforme. Exatamente desfeito como qualquer cor de uma praça com um jardim ausente. Uma alma ausente. Pouca.
Acabo procurando o inachável. É isso mesmo que devo chamar quando desacho o que estava procurando? Ou será que a tentativa encontrar o que não se perdeu é uma forma de encontrar o que estar não dito? Penso que perco algumas coisas quando tento criar outras, porque no momento que procuro dar corpo ao que se desfaz, acabo fazendo o que não precisava de formas ou mesmo de uma solidez artificial que me levaria a abstrair o que é disforme. Quando evito certas palavras é porque bem sei que em algum momento o peso delas me achatará parte da alma pouca que me resta. É exatamente esse resto de alma que procuro; não como forma de essência, mas como forma de afirmar que algo me pesa quando tento chamar o que desacho - ao procurar o que não fora dito nas linhas vindouras. É como se o orgasmo estivesse sempre na linha impossível, no verso inalcançável, na poesia transversal de tudo que encerra o esfacelamento rítmico de cada sílaba. Todavia, busco no achamento a tentativa de selar o que desencontro na hora em que encontro o que não acho dito. São só algumas palavras que me fogem a alma, esbarram nas coisas criadas a partir do momento que eu desacho o que não se perdeu por ter se desfeito sem forma alguma, sem pretensão alguma do que pudesse vir na próxima linha, no próximo orgasmo que sempre tivesse o tom de algo inachável. Absolutamente inachável. Artificial. Disforme. Exatamente desfeito como qualquer cor de uma praça com um jardim ausente. Uma alma ausente. Pouca.
27 maio 2007
24 maio 2007
Foto: Francisca Júlia
Poetisa e “Musa do Impassível”
Acredito que é, no mínimo, uma injustiça abrir livros sobre a história da Literatura Brasileira e não poder perceber o enfoque merecido a uma das grandes poetisas de nosso Parnasianismo. Falo da poetisa Francisca Júlia. É quase gritante a forma inflexível com que os autores se prendem a uma viseira que os fazem se esparramar à “trindade parnasiana” de nossa literatura: Olavo Bilac, Alberto de Oliveira e Raimundo Correia. O crítico literário, Alfredo Bosi, afirma que já em sua estréia, com livro Mármores, essa poetisa alçou ao nível destes (que compõe a “trindade”) com a mesma fidelidade e rigidez as quais a escola parnasiana pregava. Sim, isto é muito perceptível. Todavia penso que sua poesia se destaca um pouco mais do que a dos três poetas supracitados, simplesmente por sua voz poética não se afrouxar diante do formalismo pungente da escola literária a qual Júlia imergia. Abaixo transcrevo um de seus mais belos sonetos:
Poetisa e “Musa do Impassível”
Acredito que é, no mínimo, uma injustiça abrir livros sobre a história da Literatura Brasileira e não poder perceber o enfoque merecido a uma das grandes poetisas de nosso Parnasianismo. Falo da poetisa Francisca Júlia. É quase gritante a forma inflexível com que os autores se prendem a uma viseira que os fazem se esparramar à “trindade parnasiana” de nossa literatura: Olavo Bilac, Alberto de Oliveira e Raimundo Correia. O crítico literário, Alfredo Bosi, afirma que já em sua estréia, com livro Mármores, essa poetisa alçou ao nível destes (que compõe a “trindade”) com a mesma fidelidade e rigidez as quais a escola parnasiana pregava. Sim, isto é muito perceptível. Todavia penso que sua poesia se destaca um pouco mais do que a dos três poetas supracitados, simplesmente por sua voz poética não se afrouxar diante do formalismo pungente da escola literária a qual Júlia imergia. Abaixo transcrevo um de seus mais belos sonetos:
Musa Impassível
Musa! um gesto sequer de dor ou de sincero
Luto jamais te afeie o cândido semblante!
Diante de Jó, conserva o mesmo orgulho; e diante
De um morto, o mesmo olhar e sobrecenho austero.
Em teus olhos não quero a lágrima; não quero
Em tua boca o suave e idílico descante.
Celebra ora um fantasma anguiforme de Dante,
Ora o vulto marcial de um guerreiro de Homero.
Dá-me o hemistíquio d ouro, a imagem atrativa;
A rima, cujo som, de uma harmonia crebra,
Cante aos ouvidos d alma; a estrofe limpa e viva;
Versos que lembrem, com seus bárbaros ruídos,
Ora o áspero rumor de um calhau que se quebra,
ra o surdo rumor de mármores partidos.
Francisca Júlia da Silva nasceu em 31 de agosto de 1871, na antiga Vila de Xiririca, hoje Eldourado, no vale do Ribeira, São Paulo. Teve uma infância terna, se alfabetizara com sua mãe; herdara a paixão e a fissura de seu pai (advogado) pelas letras. Aos 20 anos, estréia em O Estado de São Paulo, onde publicara seus sonetos até 1892. Daí em diante, seus escritos dão um salto ao serem publicados numa série de revistas e jornais, em seu tempo, muito bem conceituados. Casa-se aos 28 anos. Passa um período de exclusiva dedicação a seu lar. Retorna às rodas literárias por volta de 1915. Daí em diante seriam publicados os seus mais belos sonetos. Um dos episódios mais marcantes de sua vida talvez tenha sido a sua própria morte: Vítima de tuberculose, Filadelfo E. Munster, seu marido, falece em 31 de outubro de 1920; desnorteada com a dor da perda, Júlia declara que não “poria véu de viúva”, ingere então boa dose de narcóticos. No posterior dia, durante o velório do corpo do marido, ela se atira ao féretro em aflição e desespero - sob efeito dos entorpecentes - falecendo aos pés do caixão de seu esposo. Era, então, 01 de novembro de 1920 quando se extinguiu a vida de uma mulher que produziu uma das mais significativas obras poéticas de seu tempo. A sonetista foi enterrada no cemitério do Araçá, em São Paulo. Sobre seu túmulo, algum tempo depois, fora construído, um inebriante mausoléu com a estátua da “Musa Impassível”, impecável obra de Victor Brecheret.
Francisca Júlia da Silva nasceu em 31 de agosto de 1871, na antiga Vila de Xiririca, hoje Eldourado, no vale do Ribeira, São Paulo. Teve uma infância terna, se alfabetizara com sua mãe; herdara a paixão e a fissura de seu pai (advogado) pelas letras. Aos 20 anos, estréia em O Estado de São Paulo, onde publicara seus sonetos até 1892. Daí em diante, seus escritos dão um salto ao serem publicados numa série de revistas e jornais, em seu tempo, muito bem conceituados. Casa-se aos 28 anos. Passa um período de exclusiva dedicação a seu lar. Retorna às rodas literárias por volta de 1915. Daí em diante seriam publicados os seus mais belos sonetos. Um dos episódios mais marcantes de sua vida talvez tenha sido a sua própria morte: Vítima de tuberculose, Filadelfo E. Munster, seu marido, falece em 31 de outubro de 1920; desnorteada com a dor da perda, Júlia declara que não “poria véu de viúva”, ingere então boa dose de narcóticos. No posterior dia, durante o velório do corpo do marido, ela se atira ao féretro em aflição e desespero - sob efeito dos entorpecentes - falecendo aos pés do caixão de seu esposo. Era, então, 01 de novembro de 1920 quando se extinguiu a vida de uma mulher que produziu uma das mais significativas obras poéticas de seu tempo. A sonetista foi enterrada no cemitério do Araçá, em São Paulo. Sobre seu túmulo, algum tempo depois, fora construído, um inebriante mausoléu com a estátua da “Musa Impassível”, impecável obra de Victor Brecheret.
20 maio 2007
O AMOR NASCE DO SUSTO
A VOLTA, RAZÕES...
Nunca o amor ofereceu uma calorosa passagem de volta. Retorno totalmente feliz. Pensa-se que voltar uma relação sempre é a melhor saída quando ambos sofrem a dor da separação. Antes de mais nada, pensa-se em voltar devido à falta de segurança em viver sem aquela pessoa tantas vezes presente, independente da forma que fosse. Depois, porque sempre bate a sensação de desespero e a impressão de que pelo menos o pouco tempo distante é e/ou foi suficiente para que se regenerassem os sentimentos que, de alguma forma, estavam por se apagarem. Voltar uma relação implica em vestir uma roupa nova para ir ao mesmo baile, usar uma máscara nova para ir ao baile dos desmascarados. Toda volta exige um cabresto, uma rédea que estimule o coração a frear-se diante da frustração de perceber-se só, de olhar ao redor e sentir a dura sensação do insucesso afetivo. Assim se dá, em primeiro momento, a vontade de retornar ao barco mesmo quando a calmaria ainda se distancia e as velas nem sequer se aproximam. O amor às vezes desconhece as razões que damos para a volta de uma relação, mas também às vezes conhece as necessidades que temos de sempre de ter alguém sempre ao nosso lado.
Tem-se em mente que retomar um relacionamento sempre renova o “X” que fez o papel de combustível da relação. Nem sempre é assim. Toda volta provém de uma ida. Nem sempre a ida se processa por completa. Pois, no meio do caminho, mais do que uma pedra, pode se encontrar um avalanche, um terreno inóspito que nos intimida ao percurso e a rota. A volta de um namoro, casamento ou qualquer coisa dessa natureza é sempre uma tentativa de desafogar-se, de tirar a corda do pescoço, e com ela a sensação de incompetência para uma vida ativamente afetiva do ponto de vista conjugal. Separar-se nem sempre foi o melhor remédio, mas voltar uma relação em que o machucar-se sempre foi a tônica nunca foi a melhor saída para viver feliz – porque talvez seja este o sentido de viver a cumplicidade de uma relação: viver feliz. Entretanto, a felicidade ordena que sejamos destemidos. Destemidos acima de mais nada, porque quando se mergulha numa relação talvez não se encontre o oxigênio necessário para uma volta que nos assegure a integridade sentimental. Enfim, no amor, ao querer voltar uma relação açoitada, busca-se encontrar um tesouro que não se encontrou na terra prometida, uma pérola que se chama “estar-bem”, uma mina que se oculta nas camadas mais íntimas de cada um, um vazio no buraco que se chama “nunca mais”.
A VOLTA, RAZÕES...
Nunca o amor ofereceu uma calorosa passagem de volta. Retorno totalmente feliz. Pensa-se que voltar uma relação sempre é a melhor saída quando ambos sofrem a dor da separação. Antes de mais nada, pensa-se em voltar devido à falta de segurança em viver sem aquela pessoa tantas vezes presente, independente da forma que fosse. Depois, porque sempre bate a sensação de desespero e a impressão de que pelo menos o pouco tempo distante é e/ou foi suficiente para que se regenerassem os sentimentos que, de alguma forma, estavam por se apagarem. Voltar uma relação implica em vestir uma roupa nova para ir ao mesmo baile, usar uma máscara nova para ir ao baile dos desmascarados. Toda volta exige um cabresto, uma rédea que estimule o coração a frear-se diante da frustração de perceber-se só, de olhar ao redor e sentir a dura sensação do insucesso afetivo. Assim se dá, em primeiro momento, a vontade de retornar ao barco mesmo quando a calmaria ainda se distancia e as velas nem sequer se aproximam. O amor às vezes desconhece as razões que damos para a volta de uma relação, mas também às vezes conhece as necessidades que temos de sempre de ter alguém sempre ao nosso lado.
Tem-se em mente que retomar um relacionamento sempre renova o “X” que fez o papel de combustível da relação. Nem sempre é assim. Toda volta provém de uma ida. Nem sempre a ida se processa por completa. Pois, no meio do caminho, mais do que uma pedra, pode se encontrar um avalanche, um terreno inóspito que nos intimida ao percurso e a rota. A volta de um namoro, casamento ou qualquer coisa dessa natureza é sempre uma tentativa de desafogar-se, de tirar a corda do pescoço, e com ela a sensação de incompetência para uma vida ativamente afetiva do ponto de vista conjugal. Separar-se nem sempre foi o melhor remédio, mas voltar uma relação em que o machucar-se sempre foi a tônica nunca foi a melhor saída para viver feliz – porque talvez seja este o sentido de viver a cumplicidade de uma relação: viver feliz. Entretanto, a felicidade ordena que sejamos destemidos. Destemidos acima de mais nada, porque quando se mergulha numa relação talvez não se encontre o oxigênio necessário para uma volta que nos assegure a integridade sentimental. Enfim, no amor, ao querer voltar uma relação açoitada, busca-se encontrar um tesouro que não se encontrou na terra prometida, uma pérola que se chama “estar-bem”, uma mina que se oculta nas camadas mais íntimas de cada um, um vazio no buraco que se chama “nunca mais”.
16 maio 2007
ESPECTADORES DE PORES-DO-SOL
Os dois velhinhos estavam sós. Infinitamente sós na pracinha principal da cidade. Sentados num banquinho acimentado. Um casal. Nada ou ninguém parecia lhes perturbar. Nem ao menos o canto estridente da garrincha que se esgoelava sobre um galho da sibipiruna que sombreava quase por completo a praça. A tarde já acenava à chegada da noite, as cores morriam na marcha leve dos ponteiros. E um olhava para o outro com a terrível sensação de mudez. As bocas de ambos se abrigavam num silêncio intocável. Percebiam-se os movimentos mortos dos lábios, como se cada tecido quisesse reagir ao que a carne por ora ansiasse negar. As palavras ficavam inertes, intactas, como se tocá-las fosse conhecer algum peso que as molestasse sobre o próprio barulho que elas poderiam causar. Era um cerrar de olhos medonho. Uma tremura desgraçada nas mãos desdadas. Um bocejo infernal a cada um sexto de hora. A tarde sumia-se discreta por entre a vadiagem do tempo, enquanto o calor inconcebível de suas almas fazia com que qualquer distância entre si fosse consumida.
- Anoitece, é hora de velhos tomarem o assento de casa. Disse ele com a voz rouca e parca.
- Tanta coisa anoitece e às vezes a gente nem percebe; principalmente quando fechamos nossos olhos ao que os dias nos dão. Entranhar-se em casa é querer se esconder ou da luz ou da treva. Ela rebateu mansa.
- Sabe, Gerusa, tenho tanto medo de que não mais vejamos juntos esses pores-do-sol... Sobretudo, porque damos a eles o silêncio que eles merecem, e depois porque é sempre bom perceber o quão é salutar aprender que não há trevas obscuras de um início de noite que não findem com os raios incandescentes de um começo de dia.
- É, Altemar, o medo é assim mesmo: ele nos afasta das coisas. Mas, não devemos temer enquanto a isso, não. Todo dia nasce e morre um sol dentro de nós, basta que percebamos; e assim, seremos mais felizes, quando aceitarmos que esse nascer-e-morrer de luz não surge só fora da gente, mas tão somente dentro da gente.
Ficaram quietos por alguns instantes. Ela agora com a mão sobre o ombro dele, e ele com seus dedos riscando ou desenhando qualquer coisa na areia da praça. Após algum tempo levantaram-se iguais como se fossem caminhar em direções opostas, todavia tomaram a mesma direção. Ele um pouco apressado, ela vagarosa. Até que se ladearam, com as mãos se encontrando num enlaçar frouxo de dedos. Caminharam com passos desmedidos. Infalsos. Tímidos. Era sempre com se fosse a primeira vez que os passos se encontravam. Voltavam para casa. Sempre em meio a passos lerdos. Voltavam sem resignação alguma, com os olhos firmes no chão, com as bocas recheadas de silêncio; entre eles o silêncio das palavras bastava. Cada palavra que guardasse para si o mel e o veneno que continham, era tudo. Voltavam sós para casa, achando no vazio da rua a mais perfeita harmonia para fincarem a luz que dentro deles nascia, infinitamente.
Os dois velhinhos estavam sós. Infinitamente sós na pracinha principal da cidade. Sentados num banquinho acimentado. Um casal. Nada ou ninguém parecia lhes perturbar. Nem ao menos o canto estridente da garrincha que se esgoelava sobre um galho da sibipiruna que sombreava quase por completo a praça. A tarde já acenava à chegada da noite, as cores morriam na marcha leve dos ponteiros. E um olhava para o outro com a terrível sensação de mudez. As bocas de ambos se abrigavam num silêncio intocável. Percebiam-se os movimentos mortos dos lábios, como se cada tecido quisesse reagir ao que a carne por ora ansiasse negar. As palavras ficavam inertes, intactas, como se tocá-las fosse conhecer algum peso que as molestasse sobre o próprio barulho que elas poderiam causar. Era um cerrar de olhos medonho. Uma tremura desgraçada nas mãos desdadas. Um bocejo infernal a cada um sexto de hora. A tarde sumia-se discreta por entre a vadiagem do tempo, enquanto o calor inconcebível de suas almas fazia com que qualquer distância entre si fosse consumida.
- Anoitece, é hora de velhos tomarem o assento de casa. Disse ele com a voz rouca e parca.
- Tanta coisa anoitece e às vezes a gente nem percebe; principalmente quando fechamos nossos olhos ao que os dias nos dão. Entranhar-se em casa é querer se esconder ou da luz ou da treva. Ela rebateu mansa.
- Sabe, Gerusa, tenho tanto medo de que não mais vejamos juntos esses pores-do-sol... Sobretudo, porque damos a eles o silêncio que eles merecem, e depois porque é sempre bom perceber o quão é salutar aprender que não há trevas obscuras de um início de noite que não findem com os raios incandescentes de um começo de dia.
- É, Altemar, o medo é assim mesmo: ele nos afasta das coisas. Mas, não devemos temer enquanto a isso, não. Todo dia nasce e morre um sol dentro de nós, basta que percebamos; e assim, seremos mais felizes, quando aceitarmos que esse nascer-e-morrer de luz não surge só fora da gente, mas tão somente dentro da gente.
Ficaram quietos por alguns instantes. Ela agora com a mão sobre o ombro dele, e ele com seus dedos riscando ou desenhando qualquer coisa na areia da praça. Após algum tempo levantaram-se iguais como se fossem caminhar em direções opostas, todavia tomaram a mesma direção. Ele um pouco apressado, ela vagarosa. Até que se ladearam, com as mãos se encontrando num enlaçar frouxo de dedos. Caminharam com passos desmedidos. Infalsos. Tímidos. Era sempre com se fosse a primeira vez que os passos se encontravam. Voltavam para casa. Sempre em meio a passos lerdos. Voltavam sem resignação alguma, com os olhos firmes no chão, com as bocas recheadas de silêncio; entre eles o silêncio das palavras bastava. Cada palavra que guardasse para si o mel e o veneno que continham, era tudo. Voltavam sós para casa, achando no vazio da rua a mais perfeita harmonia para fincarem a luz que dentro deles nascia, infinitamente.
12 maio 2007
(pintura: O Tempo eleva a Verdade dentre a Disputa e a Inveja)
Se a noite de ontem fosse vertigem em minha vida eu desejaria sim até o fim dela permanecer na pertubação disforme do que desconheço.
Se a noite de ontem fosse vertigem em minha vida eu desejaria sim até o fim dela permanecer na pertubação disforme do que desconheço.
08 maio 2007
“MARCIANOS INVADEM A TERRA”
Já está enchendo o saco. Esse zun-zun-zun dessa vinda do Papa Bento XVI ao Brasil já começa a me enjoar e enojar. Primeiro, porque parece que os brasileiros fanático-cristãos o esperam como se fosse a vinda do próprio Deus personalizado. Segundo, que em momento algum percebo um carisma humano nesse Papa como seria conveniente a qualquer líder que esteja à frente de um gigantesco círculo social como é a Igreja católica. Em terceiro, porque o investimento financeiro exorbitante que será gasto com o pouso de Joseph Ratzinger em nosso país daria tranquilamente para atenuar uma boa parte (ainda que ínfima) de alguns problemas sociais que aqui e ali envergonham o Brasil. Como se não bastasse, nosso “Lulinha paz-e-amor” quererá discutir políticas sociais. Acharia interessante isso, se não fosse só mais uma atitude discursiva que não extrapola o “bla-bla-blá” e que não toma corpo como deveria. No entanto, sereno enquanto a certas regalias que terá em nosso país, Bento saltará aqui talvez como se estivesse na Babilônia - embora desde a semana passada já venha acontecendo mobilizações de alguns grupos avessos a Ratzinger; como no caso de organizações, sobretudo, que pregam luta contra a homofobia do Papa; exemplos de grupos dessa natureza seriam alguns grupos GLBT (gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais) disseminados de norte a sul do Brasil. Salvador, Recife, Belo Horizonte e Porto Alegre são alguns dos lugares onde as manifestações já estão marcadas.
O povo brasileiro parece sempre ter sofrido a dor da ausência de adorar alguma figura que lhe soe como herói. (Que o diga, entre outros, o Modernismo de nossa Literatura.) É um povo que adora distrair-se com os “feitos” de outrem que estejam extrínsecos à sua terra. Engraçado é que dessa vez vêem uma espécie de Papa-herói ou divindade concretizada, e isso a ponto de se arrastarem por horas no fedor ou aperto até de um Pau-de-arara para se prostrarem a um homem como eles - talvez mais pecador que eles mesmos - como se ficar diante de tal homem fosse a redenção de suas vidas. Aí é que se pensa até que ponto a religião agride o homem sem que ele o perceba. Sigmund Freud dizia que “a religião serve de muletas para as pessoas lidarem com o seu sentimento de desamparo”. Karl Marx, foi mais radical: “a religião é o ópio do povo”. Não sei, mas essa vinda de Bento XVI ao Brasil está mais para atestar o aleijão ou a embriaguez dos brasileiros. Contudo, acredito que isso é mais um jogo político-religioso que esbarrará em interesses papais, fato que porá à margem qualquer interesse sobre as transformações sociais e/ou nas relações entre os povos, que, afinal põe em questionamento: O que há de positivo nessa visita para que acreditemos que, antes de tudo, esta estada do Papa no Brasil reforçará os preceitos Divinos e o poder da Cura e da Libertação das patologias que assolam o homem contemporâneo?
Já está enchendo o saco. Esse zun-zun-zun dessa vinda do Papa Bento XVI ao Brasil já começa a me enjoar e enojar. Primeiro, porque parece que os brasileiros fanático-cristãos o esperam como se fosse a vinda do próprio Deus personalizado. Segundo, que em momento algum percebo um carisma humano nesse Papa como seria conveniente a qualquer líder que esteja à frente de um gigantesco círculo social como é a Igreja católica. Em terceiro, porque o investimento financeiro exorbitante que será gasto com o pouso de Joseph Ratzinger em nosso país daria tranquilamente para atenuar uma boa parte (ainda que ínfima) de alguns problemas sociais que aqui e ali envergonham o Brasil. Como se não bastasse, nosso “Lulinha paz-e-amor” quererá discutir políticas sociais. Acharia interessante isso, se não fosse só mais uma atitude discursiva que não extrapola o “bla-bla-blá” e que não toma corpo como deveria. No entanto, sereno enquanto a certas regalias que terá em nosso país, Bento saltará aqui talvez como se estivesse na Babilônia - embora desde a semana passada já venha acontecendo mobilizações de alguns grupos avessos a Ratzinger; como no caso de organizações, sobretudo, que pregam luta contra a homofobia do Papa; exemplos de grupos dessa natureza seriam alguns grupos GLBT (gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais) disseminados de norte a sul do Brasil. Salvador, Recife, Belo Horizonte e Porto Alegre são alguns dos lugares onde as manifestações já estão marcadas.
O povo brasileiro parece sempre ter sofrido a dor da ausência de adorar alguma figura que lhe soe como herói. (Que o diga, entre outros, o Modernismo de nossa Literatura.) É um povo que adora distrair-se com os “feitos” de outrem que estejam extrínsecos à sua terra. Engraçado é que dessa vez vêem uma espécie de Papa-herói ou divindade concretizada, e isso a ponto de se arrastarem por horas no fedor ou aperto até de um Pau-de-arara para se prostrarem a um homem como eles - talvez mais pecador que eles mesmos - como se ficar diante de tal homem fosse a redenção de suas vidas. Aí é que se pensa até que ponto a religião agride o homem sem que ele o perceba. Sigmund Freud dizia que “a religião serve de muletas para as pessoas lidarem com o seu sentimento de desamparo”. Karl Marx, foi mais radical: “a religião é o ópio do povo”. Não sei, mas essa vinda de Bento XVI ao Brasil está mais para atestar o aleijão ou a embriaguez dos brasileiros. Contudo, acredito que isso é mais um jogo político-religioso que esbarrará em interesses papais, fato que porá à margem qualquer interesse sobre as transformações sociais e/ou nas relações entre os povos, que, afinal põe em questionamento: O que há de positivo nessa visita para que acreditemos que, antes de tudo, esta estada do Papa no Brasil reforçará os preceitos Divinos e o poder da Cura e da Libertação das patologias que assolam o homem contemporâneo?
02 maio 2007
A TESOURA SOBRE A PELE (OU CANÇÃO DE ESPELHO)
,teria chorado se com mil tesouras não tivesse rasgado o espelho – carregava em cada centímetro luzente os poucos raios que fugiam à forma. As lágrimas seriam poucas. Poucas, não queria dizer necessariamente poucas. Qualquer palavra se reduziria à grandeza do que o espelho ao estar vivo poderia revelar – revelar apenas. Sim, talvez os olhos fossem pequenos, e, não as lágrimas poucas. No entanto, só os olhos nasciam diante do que o espelho teria de revelar – toda revelação provoca medo – “eu não queria que fosse medo” – mas como viveríamos se não morrêssemos de medo? – nunca havia imaginado que um espelho poderia encurralar alguém. Esse medo vinha mesmo do que não era dito, mas sim do era revelado, aos poucos. Não seria questão de enxergar o que o espelho poderia revelar, mas sim o que ele poderia dizer. Aquilo nascia como um calo. Dilatando um pouco a pele, emancipando os pêlos, fazendo com que o corpo deslizasse ao toque leve, que era a única forma de manifestar o contentamento que invadia o quarto. Não doía sequer o corpo sobre a cama, mas sim a luz que sobre ele incidia. Não era luz a necessidade do corpo, porém o corpo necessitava de luz. Não poderia haver silêncio, tudo já era silêncio – embora muitas coisas perturbassem – vibrassem e – fizessem barulho – todo barulho é bem vindo quando a desordem impera –, sabia disso, mas o espelho não; daí o motivo de sua pele ser rasgada, a mil tesouras.