31 março 2007

 

FELICIDADE: PRUDÊNCIA


Penso que é preciso bem menos que o Desejo para que sejamos felizes. Talvez seja mais necessário a Vontade. É bem verdade que ao se posicionar numa discussão sobre felicidade é inevitável se defrontar com questões e valores subjetivos. Mas bifurco a Vontade e o Desejo porque, embora aparentemente se aproximem, na realidade tomam dimensões diferentes, haja vista a “espontaneidade”, que é um ponto que se apresenta como divisor de águas no todo desse quesito. A Vontade é algo inerente à potência do indivíduo - potência independente da intensidade. O Desejo é correlato às leis natas que se atrelam à potência, mas que necessariamente não está sob o próprio comando do indivíduo. (Basta isso. Não entrarei em questões detalhadas sobre Vontade e Potência para que não seja necessário que, inevitavelmente, discutamos Nietzsche, discuti-lo é atirar-se num abismo! Cada um deve ter seu próprio posicionamento sobre a filosofia dele). Pensar, hoje, sobre o que é preciso para que sejamos felizes passou a ser algo quixotesco. Insano. Pois a felicidade às vezes é aquele “cisco” em nossos olhos - como aparece no evangelho de Mateus - que nos faz esperar o contentamento com uma “trave” no olhar.

A felicidade não tem um lugar físico, material. Ela pode estar no sorriso banguela, na cueca molhada, na mão atrevida que apalpa o seio, no gole de cerveja após o expediente, na aula de Química gazeada, na violência do beijo que não se deu, na partida de baralho perdida, no doce de goiaba com queijo, no gol frango, no pênalti perdido, na vendedora de sapatos lá da loja no centro da cidade, no livro roubado da biblioteca pública, nos corpos abraçados no inverno, etc. A felicidade exige apenas prudência, sem - no entanto - nos castrar a liberdade. A liberdade é quase irmã da loucura. Acho que felicidade e loucura formariam um belo casal. Tenho a impressão de que não deveria necessariamente haver um casamento entre elas, um amancebo singelo resolveria de bom grado a coisa. Sim, a felicidade tem um preço. Ela custa apenas nossa doação: forma de loucura a qual geralmente fazemos com muita lucidez, com muito desvelo. Daí a necessidade da Vontade, para que nasça do improvável o Desejo da lacuna da felicidade, como uma espécie de caça a um animal em extinção, animal desmantelado, frouxo, que se esconde numa mata fechada.

30 março 2007

 

- COISAS QUE A GENTE NÃO PÕE O DEDO -


VÔO

Não sei ainda a distância
certa entre o céu e eu...
No entanto, o que sempre sobra
do meu vôo são as minhas
asas sujas de vento

28 março 2007

 



Hoje, saindo de casa:


Meu pai:
- Leve o guarda-chuva, irá chover...

Eu:
- Não importa. Há homens que precisam de chuvas.

E saí, chovendo.

26 março 2007

 

Pintura de Modigliani



O AMOR NASCE DO SUSTO



AQUELE SILÊNCIO...


Que agonia essa coisa de te desejar em silêncio. Sabe, não entendo o amor. Como é que ele pode tornar as coisas tão conflitantes? O maior barulho por dentro e um silêncio indesejado por fora! Se eu pudesse ao menos abrir tuas carnes e no lugar de teu coração colocar uma bomba... talvez fosse menos essa vontade de atirar uma voz que não me cabe. Tenho vontade às vezes de quebrar teus ossos. Em partes pequenas. Só para juntar tudinho de novo como prova de minha atenção ao teu corpo. Eu seria capaz, sim, de arrancar teus olhos para que brincássemos de ximbra. Arrancaria teus dedos, tuas mãos para que camuflássemos as raízes do Flamboyant que esconde a frente da tua casa. Os teus pés jogaríamos no lixo, só para correr atrás do caminhão quando ao partir - fedorento - ele jogasse fumaça em nossas ventas. Eu cuspiria em teu rosto só pra te avisar que o amor continua na cena seguinte. Seríamos, a partir daí, felizes. Sem medir palavras. Nos atracando como animais. Mais fortes que os próprios instintos. Colados. Sem o romantismo dos que se matam com arsênico ou uma corda enlaçada na goela. Eu poderia, sim, ser tua corda. Acochar-te o pescoço até que o último ar do fôlego vadio te faltasse aos pulmões. Eu até que poderia ser teu couro no momento em que o teu estrebuchar colorisse tua pele, pois eu iria ordenar a todas as facas que te abrissem o bucho, do umbigo pra cima, até as proximidades da garganta. Teríamos teu último sorriso pra untarmos a deixar queimar até que o gás acabasse. Eu te perguntaria:

- Pra onde foi aquele silêncio?
Tu ficarias muda. Como uma cadela. Entupida.

- (...)
-Vadia. Cabra velha.

Essa a mais nobre entrega. Me terias como a um mendigo. Ordinário. Infame. Eu te daria algo: Mesmo a veia menos dilatada de meu pulso, como prova do sangue que me escorre sem saber aonde vai. Transviado - completamente. Não iria te dizer algo feio ou te chamar de “puta”, haveria um problema grande se você começasse a me amar ou se apaixonasse. A única coisa que, no entanto posso fazer é te arrastar de leve, de mansinho, ao canto de um jardim, e, rente ao teu ouvido soltar um arroto, como um porco que se saciou na lavagem e que agora descansa em silêncio - realizado - na lama. Ouvindo apenas o barulho interno do que cala frente à incompreensão do que é o amor.

22 março 2007

 

O QUE LEVAR?


Há coisas que, muito provavelmente, levaremos pelo resto de nossas vidas. Muitas. Creio. Levaremos certas coisas como cicatrizes no corpo, ou mesmo um sinal no canto da boca. Já ouvi alguém dizer que “vivemos nosso presente como se construíssemos as alamedas do amanhã”. Bom que seja - se assim tivermos o tino e a percepção de que somos sujeitos históricos. Pensar em viver uma existência equilibrada talvez seja mesmo um estar-vivendo em meio às sinuosidades de uma poesia barroca. Hoje queremos o céu; ah, mas “nem a pau” dispensamos uma pontinha de diversão no inferno. Que racionais somos, não?! Construir um presente parece ser a chance mais desesperada de escrever, em páginas imemoriáveis, as mais particulares histórias já escritas. E dói ao atentarmos que devemos fazer isso sem qualquer desperdício de tempo - antes que as cortinas se fechem.

O que, então, levar consigo ao perceber que se aproxima o declinar das cortinas: o último beijo dado, a última tentativa de se apaixonar, o primeiro “não” a alguém, o gozo forçado, a cor do batom na camisa de cetim, o guarda-chuva ainda úmido da garoa do começo da noite, a meia garrafa de cerveja abandonada, o cigarro ainda aceso, a voz do filho ao pronunciar o seu desesperado “papai”, o celular descarregado, a carta de amor precipitada, as flores murchas do vaso, o cheiro fugidio do café, o sapato apertado que incomodou durante toda a tarde, a bicicleta sem freio na garagem, a pipa enlinhada nos fios do poste, a pastilha esquecida no bolso da calça, o troco que o garçom esqueceu de dar, as meias sujas e esquecidas em cima da cama, as palavras de remorso de algum poeta etc, etc, etc???

Não sabemos o que bem levar. Por certo não sabemos. Talvez nem chegaremos a saber o que vamos levar a esse trajeto extenso chamado Vida. Não aprendemos a sacralizar as coisas e as pessoas que nos cercam. A nossa existência passou a pesar sobre nós mesmos, sobretudo porque passamos a buscar uma vivência extremista. Entre a emenda e o corte. Entre a carne e a unha. E, é em vista disso que não nos damos conta de que as coisas vão se infiltrando aos poucos em nossas vidas. Pior: não percebemos que elas vão tatuando nossa alma, nosso ego. Nosso futuro parece ser hoje. Nossas faltas, ontem. Nosso pensar, amanhã. Vai apenas cabendo a nós o engano do que fica, a paz do que se vai, a condenação do que não somos. Assim mesmo, levaremos muitas coisas; talvez pelo resto de nossas vidas.

19 março 2007

 

- COISAS QUE A GENTE NÃO PÕE O DEDO -



NOTURNA

A noite é uma mulher
triste que anda
pelo céu sempre
vestida de negro.

16 março 2007

 

UM TIRO APENAS? NÃO ACHO QUE NÃO!


Muitas vezes penso em dar-me um tiro. De leve. Para não sentir muita dor. Paradoxalmente, quero sentir o gosto de chiclete que tem a vida. Um tiro apenas. Não sei se na nuca, no peito, na garganta, no tórax, não sei ainda. Não, isso não é um pensamento suicida. Embora pareça. É só uma vontade instantânea de por uns instantes largar o peso da vida e dar um passeio em um lugar cuja humanidade desconhece. Passeio mesmo. Desbravar o desconhecido é uma provável forma de conhecer-se. E nós, seres humanos, nos conhecemos tão pouco. Talvez seja pouco o tempo que nós temos para nos conhecer, talvez seja muito doloroso sermos sentenciados pela nossa própria alma. E é justamente daí que nasce o desgosto de muitas pessoas pela própria vida: ao serem sentenciadas medíocres. Isso é uma das coisas que as pessoas mais temem: descobrirem-se medíocres. Conquanto não haja para quê diante disso se desesperar. A vida segue ciclos, e, nestes sempre há as possibilidades de redenção. Lastimável então para aquelas pessoas que nunca buscam melhorar si mesmas.

No entanto, a vontade que me dá de dar-me um tiro já me persegue há longos dias. Se o fizer algo me diz que será uma experiência marcante. Única. Excepcional. Ímpar. Todavia, não vai deixar de ser uma atitude democrática. Coisa arbitrária. Seria algo tão pessoal e solitário quanto uma masturbação. Acho que tem momentos em nossa vida que ninguém pode decidir as coisas senão nós mesmos. A vida a cada dia cobra demais de nós. E ao mesmo tempo ela vai nos intoxicando, confundindo o preço das coisas. Veja, por exemplo, o amor: é algo gratuito em si, mas na verdade custa caro. Não estou me sentido mal ou fracassado diante da vida, é que ando procurando diversões, coisas novas. E dar-me um tiro poderia ser divertido. Poderia conhecer outro lugar (quem sabe onde a cerveja e o wisky estivessem mais em conta), outra gente. Ih, e se de repente nesse lugar houvesse músicas do Led Zeppelin, Beatles, The Doors, rolando a todo instante, poderia ser bacana...

Pensando bem, a vida não vale ao menos um tiro. É sério demais um tiro. Um dos grandes poetas hoje de Pernambuco (e sem dúvida do Brasil!), Alberto da Cunha Melo, escreveu: “tudo que levamos à sério demais torna-se amargo”. Chego à conclusão que as coisas mais sérias da vida merecem apenas a nossa melhor gargalhada. Sofremos como uns condenados, e cravar uma bala no próprio corpo seria como entregar o jogo aos 46 do 2° tempo. Gargalhada sim. Esse o melhor tiro contra a própria vida. Dar um tiro na vida procurando o alvo próprio. Darei, então, esse tiro, procurando acertar em qualquer parte: mente, coração, voz; não sei ainda. Pensarei bem. Mas me chega sempre esta a vontade de dar-me um tiro.

12 março 2007

 

- COISAS QUE A GENTE NÃO PÕE O DEDO -


DO MAR

O mar é uma infinidade
de gotinhas brincando
de viverem sempre juntas.

08 março 2007

 

O AMOR NASCE DO SUSTO



TRILHAMENTO


Estes dias me disseram que deveríamos ter um manual de como sofrer menos ao lidar com o fim de uma relação, quando percebêssemos que os sentimentos, os desejos e os sonhos se extinguiram por ali - porque o fim de uma relação não é nada mais do que a percepção da extinção destes. Embora que cada fim de relação, geralmente, implica um tipo de sofrer diferente a cada indivíduo da própria relação. Penso que as dores não são nem demasiadas nem pequenas entre ambos, são a medida da doação de cada um dentro relacionamento. E se nos perguntássemos: como o amor pode ser tão rijo em seu florir, e, de repente, tão atroz em seu término? A equação desta pergunta poderia levar os olhos de nossa alma às olheiras, se com coerência quiséssemos entendê-la. No entanto, pode ser mais fácil responder qual a sequidão que faz o orvalho da relva dos sentimentos evaporar por completa; posto que, toda pergunta que se ouse responder com segurança sobre o amor coloca nosso pescoço na linha incerta das coisas as quais ele é capaz de arruinar e surpreender. “...os caminhos do amor,/só ele sabe trilhá-los”, escreveu Drummond. Como então nos sentir seguros ao iniciar uma relação sabendo que podemos não estar aptos, a mais adiante, encarar e aceitar um “possível fim”, crendo apenas que justificar esse fim será equivalente à metáfora do tiro no escuro? Aí, vem o pior: ter que aprender a lidar com o sentimento de perda, tendo que engolir que o tempo será o sumo responsável pela sua sanidade sentimental daí pra frente.

Venho a me perguntar: é necessário mesmo que soframos na experiência a dois para que possamos, paulatinamente, amadurecer como agente de uma relação? Sabe-se lá. Geralmente somos nós mesmos quem metrificamos nosso sofrimento diante das coisas. O fato é que, ainda que saibamos que estamos sofrendo diante de uma situação e que isso irá nos ajudar a crescer como pessoa, não há outro nome a chamar senão sofrimento mesmo. Mas, enfim, até que ponto nós sabemos nos equilibrar frente ao sofrimento de um desquite? Existem pessoas que acham que ao livrar-se dos horríveis sentimentos que suportam, no durante, estão livres da desgraça para sempre; se esquecem de fazer daquilo um escudo, mas não um escudo que se defendam e temam, e sim um escudo em que as façam aprender ao lidarem com seus próprios sentimentos, diante das várias possibilidades de infortúnios que a vida oferece. Na vida, o fim de uma relação parece ser a coisa mais trágica que já aconteceu com o nosso coração; isto porque é nessa hora que nos questionamos sobre a veracidade do amor, por pensarmos que existe amor em toda relacionamento em que nos envolvemos.

Creio que um manual pouco adiantaria se não tivéssemos com quem partilhar nosso sofrimento, o “manual” se tornaria uma bula de um medicamento vencido. O psicólogo americano, Mark W. Baker, afirma que “Ter a presença de uma pessoa que se mostre receptiva à nossa dor faz toda a diferença do mundo”. Sofrer pela ausência da pessoa que se apartou da gente é aceitar a morte dela em nossos planos, saciando o que há de mais insaciável no amor: a própria insaciabilidade dele! Dá-nos, então, uma sensação de erro; a gente pensa que errou o alvo. No amor não existe o erro, o que existe é a mira errada, a pontaria duvidosa. Daí, a nova chance de dar outro tiro de olhos vendados; tentando acertar a presa certa, o destino incerto, entre tantos sentimentos, desejos e sonhos - evaporáveis.

04 março 2007

 

A – K – D: QUE – MICOS!!! (Ou Ah, cadê, químicos)


Foi quase de enfartar. Ou coisa pior. Convidado a participar da solenidade de abertura das atividades de 2007 da ALG (Academia de Letras de Garanhuns) fui bombardeado por uma porção de baboseiras proferidas pelo, sempre presente em nossa city, Presidente da Academia Pernambucana de Letras, Waldênio Porto - um doctorzinho com ar literato. Um indivíduo obsoleto, fiel a sua ignorância. Das muitas asneiras que ele falou em seu pronunciamento, creio que principalmente duas me tiraram do sério. A primeira foi mostrar sua negação frente às transformações da língua; disse que “deveríamos resistir a ferro e fogo contra, por exemplo, os estrangeirismos imersos em nossa língua”. E a segunda foi dizer que devemos “tratar a Academia como um templo, nos dobrar a ela como se estivéssemos diante de um deus”. A educação que mí encerra permitiu que eu não levantasse do mio assento e interrompesse sua fala indolente, choca. Aqui tratarei apenas da primeira asneira, simplesmente por considerar irrisória por natureza a segunda, ela por si arruína a alma pedante de quem a proferiu. Vejamos em que fundamento my indignação frente às balelas do sr. Waldênio:


TRATANDO DE LA 1ª BLUNDER

Ora, em seu book A língua de Eulália, o lingüista Marcos Bagno not precisou de muitos argumentos para nos convencer de que “toda língua está sempre se modificando de forma ininterrupta e imperceptível para seus falantes, mas sempre se modificando”; no entanto, basta apenas que façamos una breve reflexión acerca da história da língua portuguesa para que percebamos o quanto há de metamórfico em nosso “português”. Outrossim, é incrível como mesmo depois de tantos estudos lingüísticos hoje, certos acadêmicos (ditos “conhecedores do idioma”) ainda não tenham atinado para la realidad que é esse “balaio de variedades” em nossa língua. Porém, é um “balaio” que também está sujeito às transformações causadas pelo vulto da globalização; pois, nossa língua se tornou um instrumento que também não conseguiu escapar a influência de uma hibridez ideológica que perpassa pelas diversas culturas dos diversos paises.

Recentemente, foi aprovado um projeto de lei do deputado Aldo Rabelo, em que pretende proteger a língua portuguesa do uso de estrangeirismos, e se prevê até multas para quem usar termos estrangeiros em qualquer evento público. Acredite! ''Não existe razão lingüística que justifique o projeto, que é inviável do ponto de vista da formação do léxico e politicamente equivocado'', afirma o teacher José Luiz Fiorin, da USP. O surpreendente é que o próprio Presidente da ABL (Academia Brasileira de Letras) não acredita na viabilidade do projeto: “uma lei não seria suficiente para conter o uso de determinadas palavras ou expressões, trata-se de uma questão de bom senso não abusar de estrangeirismos”. Pois bem, não encaro essa atitude do deputado de outra forma senão preconceituosa diante da realidade lingüística de nosso país e de seus falantes. Com efeito, creio que essa atitude do Aldo Rabelo merece amplo espace de discussão. Enquanto isso, infelizmente, deve-se tolerar as goods ilogias (e não ideologias, prestem bem atención!) de alguns de nossos vovôs acadêmicos que - por falta de atividade em seu tiempo de ócio - vêm a empinar suas ventas ao pregarem padrões. Contudo, não abomino las Academias, mas sim a ignorância y imbecilidade dentro delas. Enfim, deixemos eles e seus fardões e seus chazinhos, fiquemos com nossas roupas rotas e nossos drinks, acompanhando las mutaciones da língua, a iron and fire.

01 março 2007

 

- COISAS QUE A GENTE NÃO PÕE O DEDO


SOB ESTRELAS

Gosto de à noite ficar
contando estrelas,
para ver quantas
cabem em meus olhos.

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