30 junho 2008

 

pintura de Magrite


IMOLAÇÃO DOS OSSOS (Romance)
Capítulo 10

É manhã. E escrevo ao correr da mão. Que estou fazendo ao escrever? Houve o que se chama tradução. Compreendo que escrever é uma forma de traduzir o que ainda não nasceu. É profundo contar. “Não conte”. Não contar é uma arte. O silêncio é uma arte que poucos artistas conseguiram realizar: um colibri em flor que bate as asas com a pressa de quem tem fome. É preciso sempre abrir a alma – como se abrisse uma torneira – para se encontrar a fome. Para topar com determinadas coisas é necessário deixar tais coisas se encontrarem por si mesmas, mesmo que sejam coisas fúteis. Por isso, deixo na mesa todos os dias as colheres se encontrarem com os garfos, as facas com os copos, a toalha com o manteigueiro.

(Eu disse que seria divertido se fossemos amanhã cantar a música “É preciso saber viver”, no cemitério, antes que o sol se fosse)

... todos os dias vou inventando um pouco de mim na roupa que escolho, no caminho que destruo no dia-a-dia, no sorvete de creme de leite que nego, no cigarro que fumo e deixo sua fumaça como lembrança na casa vizinha, nas marcas que meu corpo deixa no lençol amarrotado. Tenho a necessidade de enfrentar o frio lá fora. Sozinho. Quando me dou com o frio é como se eu tentasse desfazer as chamas que me saltam às mãos – eu nunca pedi às minhas mãos que elas me doessem. (É que quando ao retornar para casa, todo fim de tarde, minhas mãos doem ao tocar na fechadura da porta. Sinto incinerar toda minha sensação de liberdade por poder, entre quatro paredes, saltar em minha cama; ficar nu, tranquilamente transitando pela sala; espalhar bolinhas de papel pelo quarto inteiro; atirar cascas de banana na cabeça dos que passam pela calçada; incomodar os moradores do andar de baixo, pulando a noite inteira como quem acha muito dinheiro.)


Vivo-me. E viver é tão fugidio. Branco arco imutável instinto cego. Viver é assim: a falta que completa, a busca que não cessa. Viver, antes de mais nada, é sempre um preencher a parte que nos é vazia. Procuro nisso a melhor maneira de (*) me viver. Que (*) me viva. Divido o que vivo com o que pretendo e o que diviso. Espero sempre para o dia seguinte o que não pude hoje – por não ter pressa. Espero (*) todos os dias em minha mais pura calmaria. O amor é não ter pressa. (O amor é espera.) A única pressa que o amor tem, é a pressa de fazer barulho. É profundo fazê-lo. “Não faça”.

27 junho 2008

 
Foto: execução de Ernesto Guevara

Vem CHUMBO GROSSO aí...

Ontem participei de uma comemoração junina no SESC, voltada para a imprensa local. Muito boa a comemoração, sobretudo porque as doses de Wisky servidas pareciam muito mais prazerosas do que o habitual. Fizeram-se presentes muitos jornalistas, radialistas, autoridades e, como já era de ser esperar, um ou outro político ali. Conheci muitas pessoas já carimbadas na imprensa desta cidade. Mas a figura, sem dúvida, mais singular que conheci noite passada foi um guevariano. Falo do Altamir Pinheiro. Um homem que carrega consigo os valores e a alma de Che Guevara há mais de 30 anos. Altamir me aparentou ser um dos poucos que aqui em Garanhuns tem uma consciência política madura. E sabe aliar isso muito bem ao adotar, de forma muito original e subversiva, um modo de combater a canalha política que assola nosso país. Hum, eu sinto que eu poderia falar mais e mais sobre Altamir. No entanto, digo apenas que sentar em uma mesa e conversar com esse guevariano, regado sob boas doses de Wisky, é encontrar várias pessoas numa pessoa só. Pois bem, para que o leitor não fique imaginando de forma errônea a figurassa que é Altamir, alerto para que conheçam seu blog (intitulado CHUMBO GROSSO), em novo layout, que estará na rede a partir da próxima segunda-feira (30/06/2008). O endereço é:

www.pinheirochumbogrosso.blogspot.com

Para finalizar, partilho uma frase do Che Guevara como prova da estima pela pessoa do Altamir Pinheiro, e ainda pelo selo de nossa amizade:

“Se você é capaz de tremer de indignação a cada vez que se comete uma injustiça no mundo, então somos companheiros.”

24 junho 2008

 

Sobre o acordo ortográfico em países de Língua Portuguesa

Três anos. Este foi o período acordado para o Brasil, no que diz a adaptação da unificação do acordo ortográfico entre os países de Língua Portuguesa. Isso a contar a partir de 1° de janeiro de 2009. Em Portugal, seis anos. Dentre algumas cositas que mudarão na língua do país de Camões, desaparecem o “c” e o “p” mudos, em palavras como acção, adopção e óptimo. Salvo os nomes próprios derivados, o trema deixa de existir. O hífen não será mais usado quando o segundo elemento começar com “r” ou “s”. O acento circunflexo não será usado em palavras terminadas com hiato “oo”, como em “vôo” e “enjôo” (serão “voo” e “enjoo”). Pois bem, em geral o novo alfabeto vai incorporar o “k”, o “w”, e o “y”, ficando, portanto, com 26 letras. Haverá a omissão de acentos distintos, como o de “pára”, do verbo parar; de acentos agudos em ditongos como o de idéia (virará “ideia”) e o de jibóia (virará “jiboia).

Com esse acordo, Portugal terá 1,42% de suas palavras modificadas, e o Brasil apenas 0,43%. Os mais radicais chegam a falar em submissão a “interesses brasileiros”. Fato é que essa língua há muito deixou de ser patrimônio restrito a Portugal – tal como o inglês, o espanhol e o francês deixaram de pertencer unicamente à Inglaterra, à Espanha e à França.

Mas, enfim, há também quem afirme que o acordo é na verdade mais importante do ponto de vista político do que do lingüístico, não obstante este tenha provocado mais zoada. Ele deve dar margem à maior influência dos países de língua portuguesa nas corporações internacionais. Não fortuitamente, um dos principais argumentos empregados pelos defensores do acordo foi necessariamente o de facilitar a redação de documentos internacionais em português. Vamo vê ne q dá, né?!



20 junho 2008

 



Pintura de Modigliani

Como diria meu amigo Nelson Rodrigues:
"Ou a mulher é fria ou morde. Sem dentada não há amor possível".

18 junho 2008

 

Agreste
Suspeito de estupros em Garanhuns é preso
Publicado em 18.06.2008, às 08h00

Do-JC-OnLine
Com informações da Rádio Jornal

O vendedor de carne Wagner Alexandre Almeida de Aragão, de 36 anos, foi preso nessa terça-feira (17) acusado de estuprar jovens em Garanhuns, no Agreste de Pernambuco. Quatro vítimas já reconheceram o suspeito como o criminoso. Elas têm em média 20 anos e são estudantes universitárias.

Wagner é casado e, segundo a Polícia Civil, agia sempre com uma touca de frio e uma caminhonete, o que facilitou o reconhecimento das vítimas. Ele foi encontrado pela polícia com um revólver calibre 38.

Uma de suas vítimas está em tratamento psicológico fora da cidade. O acusado será apresentado nesta quarta-feira (18) na Delegacia Regional de Garanhuns.


16 junho 2008

 

ESPELHABISMOS

É como enxergar tua mão enfiada num tronco, aberta. Dedos roçando a raiz. E olhar em teus olhos é sempre como aceitar ver um espelho enterrado na areia, ver na sombra a luz que este espelho entrega. É como presenciar um encontro entre a sede e a água, o sangue e a veia. Um pouco da ardência que fica morna, entremeada com a busca do que se vai e a eternidade do que fica, porque uma parte nossa é o que nos foge, e a outra o que fica da gente no outro. Desisto chocar meus olhos a luz deste espelho. Tem um pouco de dor nisso. É sempre um abismo, me entregar aos teus olhos, que cegam os meus, enterrados na areia.


03 junho 2008

 

IMOLAÇÃO DOS OSSOS (Romance)
Capítulo 9

Há um pouco de mim no que esclareço. Tento me refazer aos poucos. Dou mais do que tenho para esquecer o que me falta. Olho as pessoas que ficam o dia inteiro sentadas nos degraus em frente à igreja e me convenço de que elas não precisam de Deus. (Todas aquelas pessoas ali se suportam.) Sinto que elas precisam da parte de si que desconhecem. Toda pessoa que se desconhece é por si infeliz. Por isso que ponho tudo de mim em meu olhar, e me olho ao espelho, e assim me descubro. Foi desse modo que aprendi a olhar para o céu sem antes olhar para as igrejas. Deus na igreja é só uma possibilidade. E as possibilidades de estreitarmos nossos laços com Deus só aumentam quando o deixamos um pouco em paz. Por isso que minha guerra com Deus é incessante: é sempre uma guerra declarada onde a idéia de deixá-lo quieto vai me erguendo como a haste de uma flor que foge desesperada da calma e triste brisa de um fim de tarde. As flores odeiam os fins de tardes.

(Quero pintar um mosquito.

Vivê-lo.)

...tudo é tão frágil e tão seguro. Acabo de fechar a porta do quarto e aprendo que comprimir-se é preciso. Encaixar-se ao espaço que lhe cabe. Uma porta é sempre uma porta, mesmo quando ela se comprime à medida certa do que a segurança da chave lhe condiciona e do que o barulho do seu fechamento lhe impede.

É intenso descobrir-se. (Uma experiência de lágrima.) Descobrir-se é saber o que estava lhe cobrindo a alma, ou se eram seus olhos que estavam cobrindo as coisas. Em toda descoberta tem uma espécie de suicídio. Estranho. Alguma coisa me leva a ocorrer-me. Vou me acontecendo. Guardando-me. Encontrando-me na ausência de (*). Vou desistindo de ser-me. Renunciando-me. Toda renúncia é isolamento e descanso. Vou me nascendo com a frieza de quem põe um pássaro nas mãos e o espreme como se espremesse uma laranja azeda: deixando sobrar apenas as vísceras misturadas em meio às penas. Calo-me ao imaginar esse pássaro morto em mãos tão brancas. As mesmas mãos que cobrem de flor o corpo de um defunto, que herda então a frieza dessa flor que foge da calma e da tristeza odiando o pôr do sol.

02 junho 2008

 

Temos que mostrar a bunda?!


Recentemente, saiu no Jornal Agora que a ex-BBB, Nathália Casassola, vai ganhar R$ 200 mil, mais R$ 2 por cada revista vendida da Playboy, isso publicado na coluna Zapping. Fico pensando, como é bem mais difícil o caminho dos pobres mortais que escondem seu corpo, ou pelo menos têm um corpo que foge à estética convencional. Em outras linhas, como é difícil ganhar uma nota dessas com tamanha facilidade se não tiver um corpo esbelto para arrancar grana fácil dele. Parece que estamos vivendo (será se deixamos de vivê-la?!) a época clássica grega, quando os corpos eram cultuados de tal forma que, ao corpo apresentar seus primeiros sinais de velhice ou decrepitude, as pessoas, até então donas de corpos sempre bem contornados, suicidavam-se, anulavam-se da vida devido a seu corpo se mostrar fora de um padrão estético considerado belo, perfeito. Bem, sei que ao pé da letra esse exemplo não cabe aqui. Mas é o que falta fazer com nosso corpo, suicidá-lo, ao ver uma coisa dessas. Porque, veja bem, é revoltante um corpo (de carne e osso também) valer tal preço para ser exposto e outro não valer sequer R$ 0,10. Ora, sabemos que essa é uma discussão muito ampla. Não nos aprofundemos. O fato é que a Nathália vai faturar um baita din-din mostrando tudo. Mostrar ou não mostrar passa por questões de várias ordens. Porém, a ordem do mundo hoje é ter grana. Mesmo que custe a pele exposta, a bunda suja. Façamos, portanto, uma promessa para manter nossa dignidade, viver bem, com uma grana boa, para não chegarmos ao ponto de mostrar nossa bunda, mesmo que seja por redondos R$ 200.000,00.


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