20 abril 2008

 

IMOLAÇÃO DOS OSSOS (Romance)
Capítulo 8


Estou invadido. É certo. (*) me fez descobrir que quando não há possibilidade alguma de se dizer “Eu te amo” nasce o silêncio, mas não um silêncio difuso ou inocente: nasce o olhar. O olhar é silêncio e revelação. Porque os olhos cumprem a missão de revelar o amor sentido quando as palavras se afrouxam. Então, a partir do momento em que o amor é revelado, invade-se e, ao mesmo tempo, se é invadido. De todo. Assim me perco. Assim me afrouxo, em silêncio.

Sei do silêncio de uma abelha. Do fracasso de uma: – Havia uma abelha que voava por sobre um jardim. Sobre vida de flores. A cada tentativa de extrair o pólen, ela jamais enchia de vaidade seu pouso sobre as pétalas. Ela conversava com os jasmins e dizia que semear o amor era sempre arriscado: porque semear o amor é deixar um pouquinho nosso no outro, sem medida certa: e o amor é perigoso porque nasce sem medida. O amor é o pólen que arriscamos roubar do outro.

(*) me tira a parte mais pura e leve que desconheço de mim mesmo, como se fosse uma pólvora que cede à fumaça seu tiro.

Deixo um pouco de mim no que denuncio. Aliás, presumo. Há coisas que nos fogem sem que o saibamos, como se fosse o negror de cabelos que chega se despojando a uma certa altura da vida de um homem. O branco roubando fios pretos e vestindo cada vez mais o corpo de decrepitude.

– vou me desinteressando por objetos. O teto não está mais pingando. (não sei se a bica desentupiu sozinha). As janelas estão abertas. Pratos sobre a mesa. Toalha e sabonete sobre a cama. Livros e CD’s espalhados no tapete. Farelos de pão no chão do corredor. Som a meio volume: blues, jazz, soul e baladas. (A música não veste formigas). Um pouco de ruídos no soluço que engasga meu coração inalcançável.

Parou de garoar. (Pelo menos não sinto a umidade.) O que sou nesta tarde fria? Se eu o disser me sentirei um pedaço quebrado. Não acuso em mim o que suspeito. Deixo sempre me invadir pela sensação de Estar, apenas. Deixo-me acontecer, e isso já se tornou minha lei, minha razão. A razão que tenho para não se aproximar daquilo que me revela e me surpreende.

17 abril 2008

 

Pintura de Frida Kahlo

Todos sabem, e eu não preciso esconder, que quando sumo por aqui é que estou consumido, ou melhor, a vida está me consumindo: sem nenhum germe na nuca, sem um gesto de desprezo, sem uma dor pra esquecer...

12 abril 2008

 


Não quero voltar a falar em dias de chuva, de céu cuspidor de pingos. Prefiro escolher o sol de cada coisa: para secar minhas mãos e a voz que me afoga. Tenho razões pra isso – porque os dias chuvosos são noites mal dormidas. Ah, já sei, quero esquecer-me, como um gari que esquece um pouco de lixo na ponta da unha, somente. Pôr em cada linha um suspiro qual um corpo que desfalece, uma verruga que brota, uma lágrima que suspira. E, ainda sim, descobrir o fim de cada coisa nela mesma, pondo em cada gesto o mínimo possível de ternura, como se a “última vez” rimasse com o “nunca mais”.

02 abril 2008

 

Aí, o trecho de um conto meu que sairá numa Revista literária (eita, esqueci o bendito nome da Revista) a ser lançada no mês de maio, em Sorocaba.


(...) durante a manhã estava mudo, como um revólver abafado. Dócil. Sereno como uma pequena pétala que se larga ao chão. Imóvel. Seus olhos ficavam suspensos, num semblante que variava entre assustado e irritado. Ficava com a cara por avermelhar num sol escaldante, sempre. As pregas de seu rosto acusavam não um homem velho ou vencido pelos anos, mas sim um homem arrastado covardemente e apulso pelas correntes do tempo. Não era ao menos a brancura de seus cabelos que o fazia sentir-se cansado, talvez tão somente seu corpo que vinha a pesar sobre ele mesmo, como a culpa maldita a qual um suicida assume diante de si. Assumir culpa é desproteger-se. E assim o fazia. Desprotegia-se. Assumia a culpa de ser um miserável. Ficava inerte, jogado na rua como quem se desespera e procura um alguém que não se acha. E não achar alguém que se procura é um motivo para desproteger-se. (...)

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