03 junho 2008

IMOLAÇÃO DOS OSSOS (Romance)
Capítulo 9
Há um pouco de mim no que esclareço. Tento me refazer aos poucos. Dou mais do que tenho para esquecer o que me falta. Olho as pessoas que ficam o dia inteiro sentadas nos degraus em frente à igreja e me convenço de que elas não precisam de Deus. (Todas aquelas pessoas ali se suportam.) Sinto que elas precisam da parte de si que desconhecem. Toda pessoa que se desconhece é por si infeliz. Por isso que ponho tudo de mim em meu olhar, e me olho ao espelho, e assim me descubro. Foi desse modo que aprendi a olhar para o céu sem antes olhar para as igrejas. Deus na igreja é só uma possibilidade. E as possibilidades de estreitarmos nossos laços com Deus só aumentam quando o deixamos um pouco em paz. Por isso que minha guerra com Deus é incessante: é sempre uma guerra declarada onde a idéia de deixá-lo quieto vai me erguendo como a haste de uma flor que foge desesperada da calma e triste brisa de um fim de tarde. As flores odeiam os fins de tardes.
(Quero pintar um mosquito.
Vivê-lo.)
...tudo é tão frágil e tão seguro. Acabo de fechar a porta do quarto e aprendo que comprimir-se é preciso. Encaixar-se ao espaço que lhe cabe. Uma porta é sempre uma porta, mesmo quando ela se comprime à medida certa do que a segurança da chave lhe condiciona e do que o barulho do seu fechamento lhe impede.
É intenso descobrir-se. (Uma experiência de lágrima.) Descobrir-se é saber o que estava lhe cobrindo a alma, ou se eram seus olhos que estavam cobrindo as coisas. Em toda descoberta tem uma espécie de suicídio. Estranho. Alguma coisa me leva a ocorrer-me. Vou me acontecendo. Guardando-me. Encontrando-me na ausência de (*). Vou desistindo de ser-me. Renunciando-me. Toda renúncia é isolamento e descanso. Vou me nascendo com a frieza de quem põe um pássaro nas mãos e o espreme como se espremesse uma laranja azeda: deixando sobrar apenas as vísceras misturadas em meio às penas. Calo-me ao imaginar esse pássaro morto em mãos tão brancas. As mesmas mãos que cobrem de flor o corpo de um defunto, que herda então a frieza dessa flor que foge da calma e da tristeza odiando o pôr do sol.
Capítulo 9
Há um pouco de mim no que esclareço. Tento me refazer aos poucos. Dou mais do que tenho para esquecer o que me falta. Olho as pessoas que ficam o dia inteiro sentadas nos degraus em frente à igreja e me convenço de que elas não precisam de Deus. (Todas aquelas pessoas ali se suportam.) Sinto que elas precisam da parte de si que desconhecem. Toda pessoa que se desconhece é por si infeliz. Por isso que ponho tudo de mim em meu olhar, e me olho ao espelho, e assim me descubro. Foi desse modo que aprendi a olhar para o céu sem antes olhar para as igrejas. Deus na igreja é só uma possibilidade. E as possibilidades de estreitarmos nossos laços com Deus só aumentam quando o deixamos um pouco em paz. Por isso que minha guerra com Deus é incessante: é sempre uma guerra declarada onde a idéia de deixá-lo quieto vai me erguendo como a haste de uma flor que foge desesperada da calma e triste brisa de um fim de tarde. As flores odeiam os fins de tardes.
(Quero pintar um mosquito.
Vivê-lo.)
...tudo é tão frágil e tão seguro. Acabo de fechar a porta do quarto e aprendo que comprimir-se é preciso. Encaixar-se ao espaço que lhe cabe. Uma porta é sempre uma porta, mesmo quando ela se comprime à medida certa do que a segurança da chave lhe condiciona e do que o barulho do seu fechamento lhe impede.
É intenso descobrir-se. (Uma experiência de lágrima.) Descobrir-se é saber o que estava lhe cobrindo a alma, ou se eram seus olhos que estavam cobrindo as coisas. Em toda descoberta tem uma espécie de suicídio. Estranho. Alguma coisa me leva a ocorrer-me. Vou me acontecendo. Guardando-me. Encontrando-me na ausência de (*). Vou desistindo de ser-me. Renunciando-me. Toda renúncia é isolamento e descanso. Vou me nascendo com a frieza de quem põe um pássaro nas mãos e o espreme como se espremesse uma laranja azeda: deixando sobrar apenas as vísceras misturadas em meio às penas. Calo-me ao imaginar esse pássaro morto em mãos tão brancas. As mesmas mãos que cobrem de flor o corpo de um defunto, que herda então a frieza dessa flor que foge da calma e da tristeza odiando o pôr do sol.
Comments:
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Ah fico lisongeada com o elogio.. muito bom saber quando gostam do que escrevemos. Uso meu blog pra levar um pouco do meu dia-a-dia, minhas aflições, alegrias, futilidades, idéias...
adorei essa parte:
"Dou mais do que tenho para esquecer o que me falta. "
Parece que vocÊ me descreveu... Essa descoberta de si é uma delicia.
adorei essa parte:
"Dou mais do que tenho para esquecer o que me falta. "
Parece que vocÊ me descreveu... Essa descoberta de si é uma delicia.
Eu digo mais quando me calo. Porque nessas horas digo com o corpo, e corpo não mente, carece da malícia das palavras. Corpo sente, e só.
E é interessante essa coisa da (re)descoberta pessoal... cada um de nós tão único, e tão semelhante nesse processo. Tão semelhantes.
Obrigada pela visita, moço. Adorei seu espaço, sua escrita... Deixo o convite para que retorne mais vezes, será um prazer tornar a vê-lo.
Beijo grande.
E é interessante essa coisa da (re)descoberta pessoal... cada um de nós tão único, e tão semelhante nesse processo. Tão semelhantes.
Obrigada pela visita, moço. Adorei seu espaço, sua escrita... Deixo o convite para que retorne mais vezes, será um prazer tornar a vê-lo.
Beijo grande.
Oi, Wagner! Tudo bem? Passandp para retribuir a visita ao meu blog "Meu Mar Azul". Amei o seu! ESte texto é seu? Gostei. Como leio os capítulos anteriores? Bjos e um ótimo dia!
Olá Wagner,
Fico tímido de comentar um texto seu visto que já é um verdadeiro escritor. O que posso lhe dizer é que fiquei espantado com tamanho sentimento escondido entre suas palavras e com a facilidade que esse sentimento escapole pro lado de cá e me faz devorar seu texto como quem devora um sonho recheado.
Carregarei comigo esta frase sua:
"Descobrir-se é saber o que estava lhe cobrindo a alma, ou se eram seus olhos que estavam cobrindo as coisas"
Voltarei mais vezes pra ler-te.
Abraços.
Fico tímido de comentar um texto seu visto que já é um verdadeiro escritor. O que posso lhe dizer é que fiquei espantado com tamanho sentimento escondido entre suas palavras e com a facilidade que esse sentimento escapole pro lado de cá e me faz devorar seu texto como quem devora um sonho recheado.
Carregarei comigo esta frase sua:
"Descobrir-se é saber o que estava lhe cobrindo a alma, ou se eram seus olhos que estavam cobrindo as coisas"
Voltarei mais vezes pra ler-te.
Abraços.
Descobrir-se é uma experiência tão intensa quanto assustadora...é a chuva lixiviando a alma...Bom texto!
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