22 março 2007

 

O QUE LEVAR?


Há coisas que, muito provavelmente, levaremos pelo resto de nossas vidas. Muitas. Creio. Levaremos certas coisas como cicatrizes no corpo, ou mesmo um sinal no canto da boca. Já ouvi alguém dizer que “vivemos nosso presente como se construíssemos as alamedas do amanhã”. Bom que seja - se assim tivermos o tino e a percepção de que somos sujeitos históricos. Pensar em viver uma existência equilibrada talvez seja mesmo um estar-vivendo em meio às sinuosidades de uma poesia barroca. Hoje queremos o céu; ah, mas “nem a pau” dispensamos uma pontinha de diversão no inferno. Que racionais somos, não?! Construir um presente parece ser a chance mais desesperada de escrever, em páginas imemoriáveis, as mais particulares histórias já escritas. E dói ao atentarmos que devemos fazer isso sem qualquer desperdício de tempo - antes que as cortinas se fechem.

O que, então, levar consigo ao perceber que se aproxima o declinar das cortinas: o último beijo dado, a última tentativa de se apaixonar, o primeiro “não” a alguém, o gozo forçado, a cor do batom na camisa de cetim, o guarda-chuva ainda úmido da garoa do começo da noite, a meia garrafa de cerveja abandonada, o cigarro ainda aceso, a voz do filho ao pronunciar o seu desesperado “papai”, o celular descarregado, a carta de amor precipitada, as flores murchas do vaso, o cheiro fugidio do café, o sapato apertado que incomodou durante toda a tarde, a bicicleta sem freio na garagem, a pipa enlinhada nos fios do poste, a pastilha esquecida no bolso da calça, o troco que o garçom esqueceu de dar, as meias sujas e esquecidas em cima da cama, as palavras de remorso de algum poeta etc, etc, etc???

Não sabemos o que bem levar. Por certo não sabemos. Talvez nem chegaremos a saber o que vamos levar a esse trajeto extenso chamado Vida. Não aprendemos a sacralizar as coisas e as pessoas que nos cercam. A nossa existência passou a pesar sobre nós mesmos, sobretudo porque passamos a buscar uma vivência extremista. Entre a emenda e o corte. Entre a carne e a unha. E, é em vista disso que não nos damos conta de que as coisas vão se infiltrando aos poucos em nossas vidas. Pior: não percebemos que elas vão tatuando nossa alma, nosso ego. Nosso futuro parece ser hoje. Nossas faltas, ontem. Nosso pensar, amanhã. Vai apenas cabendo a nós o engano do que fica, a paz do que se vai, a condenação do que não somos. Assim mesmo, levaremos muitas coisas; talvez pelo resto de nossas vidas.

Comments:
O tempo, efêmero como é, passa tão rápido que nem sempre temos tempo de levar muita coisa...
Muitas passam despercebidas, perdem-se no ar...

Sou adepta à filosofia Barroca; Aproveite o dia! Viva intensamente!

E mais! Carregue o máximo de coisas que puder, quanto maior a bagagem mais opções teremos se a Morte não for o fim...

Beijão!
=)
 
O que quero levar são meus DVDs, meus livros. Levar ou não deixar para ninguem.
Liliane de Paula
 
Caramba...
Eu pensei quase isto no enterro de minha mãe. Ela era tão apegada a coisas... e não havia nenhuma coisa adornando aquele espaço frio. Tantas palavras não ditas, tantos carinhos não dados, tantos planos que não se tornaram presente. Apenas um passado enterrado.
Mudei muito desde então, mas ainda não o suficiente... Ainda deixo o amanhã guardar muitas esperanças, apesar de ter consciência que só o hoje existe e que nada se leva daqui. Só o despojamento.
Desperdiçamos muitos hojes pretendendo os amanhãs.
carinhos pra ti
 
Olha. Até onde posso perceber, o que podemos deixar é algo de contrutivo para os que nos precederem. É a obrigação atávica de desejar preservar a expécie. No mais gozar o que for possível. No São João estarei em Recife gozando os folguedos, depois...não sei.
 
Obrigada pela visita. Ontem mesm oestava pensando sobre essas questões e sobre a minha necessidade de ter que deletar algumas coisas do meu hd mental! E guardar coisas positivas.

Abs
 
levaremos tudo.
ou pelo menos um pouco de cada e um e de cada coisa.
abcs,
 
Memórias... Levemos muitas memórias.
Sempre.
Beijos!
 
Comprou o ingresso do show de chico?

Esgotaram com dois dias de venda!
 
vai ver que não esteve, pra levar.
está.
 
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