30 janeiro 2007

 

BREVE MEMÓRIA DE MINHAS FÉRIAS NA CASA DE MEUS AVÓS


Às vezes sinto um buraco em minha alma quando chega o mês de janeiro. Talvez o sinta por causa da significância que este mês tem para as travessuras e recordações da minha infância. Era o mês em que eu e meus primos nos reuníamos na casa de nossos avós para passar alguns dias de nossas férias. Lembro-me bem daquela casa de telhas altas e velhas, móveis rústicos, quartos escuros, corredor longo, cozinha larga e o quintal... o quintal era um reino encantado. Havia animais como: marrecos, galinhas, cabras e pássaros engaiolados sob os galhos de um imenso pé de goiaba, o qual certo dia, após subi-lo, caí e quebrei um braço. Havia um pilão para triturar em um almofariz o café de todo dia, vovô era que o fazia. No quintal havia ainda uma rede, um banheiro e uma pocilga. O quintal era enorme.

Lembro-me bem, e é como se ainda ecoassem em mim aqueles gritos da vovó:
- Menino larga já isso. Eu te dou umas palmadas. Isso não pode. Vem já comer. Deixa desse corre-corre dentro de casa. Eu vou falar pra sua mãe. Larga já estes bichos. Vem logo tomar seu banho. Já está na hora de dormir...
Essas e outras advertências parecem ainda estar bem vivas dentro de mim. Penso que talvez eu fosse um dos netos mais agitados, um dos mais rebeldes, um dos mais inquietos. E acho que essa agitação, rebeldia e inquietude nunca me escaparam. Vejo que aquele caos que deixa desgovernada a mente de uma criança em mim permaneceu sempre.
Recordo as manhãs de sol que banhavam o quintal. Ao término do café da manhã, eu espalhava meus brinquedos embaixo do pé de goiaba e ia criando um universo de magia e encanto. Procurava meu bodoque para ver em quantas galinhas eu conseguiria acertar. Sempre era surpreendido pelos gritos de minha avó:
- Menino, você vai matar as galinhas do seu avô!

A hora do almoço se aproximava e meus primos e eu corríamos para a mesa da cozinha com as mãos cheias de barro, até que a vovó nos convidava a dar meia volta e ir lavá-las. Certo dia não as lavei por preguiça, e um primo meu, Ricardo, resolveu me dedurar. Foi então que minha avó me levou da mesa até a pia, arrastando-me pelas orelhas. E isso me enfureceu bastante. Como plano de vingança resolvi atingir meu primo “dedo-duro”, colocando no almoço dele, sem que ele percebesse, três baratas mortas que eu havia guardado há dois dias.
Depois do almoço íamos, eu e meus primos, nos jogar no corredor, agudamente inclinado, da casa. O chão liso nos servia de pista de esqui. Marcávamos distância e nos lançávamos contra o chão escorregadio, indo assim ir parar com algazarra na entrada da cozinha, onde tranquilamente nossos avós tentavam almoçar.

Após o lanche da tarde, quando a quentura do sol já não era intensa, ganhávamos novamente o quintal. A gritaria era tanta que os vizinhos por vezes se assustavam. Mas não reclamavam. A tarde passava. A noite ia chegando de manso. Chegava então a hora de recolher os brinquedos, que se misturavam aos animais. Depois do banho e da janta nos preparávamos para escutar as estórias do vovô. Íamos dormir às vezes perplexos, já que aos poucos descobríamos com ele novos mundos, coisas novas. Íamos dormir sonhando com as novas brincadeiras, com as novas comidas da vovó, com as estórias do vovô, com o próximo dia... E desse sono parece que nunca acordei. O tempo passou, meus avós passaram, e ficou o neto, inquieto.


(MARQUES, Wagner ; Texto publicado no Jornal Gazeta de Garanhuns; em janeiro/2006)

Comments:
lindo texto... sem mais palavras!!!
 
Nossa! Seu texto trouxe à tona várias das minha memórias infantis. Não era tão peralta qto vc, mas já brinquei sob a goiabeira e já passei férias na casa dos vovós. :_) Saudades! bjosss
 
Esse texto é lindo! Me trouxe a tona uma férias q tive no fazenda de meus bisavós há uns 17 anos atras.
 
Oi. Mto obrigado por ter visitado meu site. ;) Adoro o seu tb. De vez em quandso venho fuçar, só que as vezes me faltam comentários.

Amei esse sue texto. Gosto deste estilo, mesmo!! :)
 
Wagner, belo texto! Nos faz resgatar as memórias afetivas, lembrar das semelhanças com a nossa própria infância. Obrigada pela viagem no tempo que vc me proporcionou. Ah, adorei as baratas no prato do seu primo, rsrsrs! Obrigada também por haver visitado meu blog. Abraços!
 
E quem sou eu pra dizer sobre um texto publicado numa Gazeta!?

Perfeito!?

Agora responda: Excitado!????
(risos)

Beijocas...
 
talvez sua melhor cronica. o LIVRO DE DE4POIMENTO ta lhe fazendo muito bem.

gostei, na moral.
 
vim agradecer sua visita! boas lembranças...ah coisa boa essa! abraços
 
Que recordações quentes você tem da sua infância, que bom lembrar de momentos tão puros. Agradeço à visita a porta esta sempre aberta! Fica bem.
 
Adorei o texto. Muito bem escrito. Me fez lembrar um autor piauiense chamado O. G. Rego de Carvalho.
Se você tiver um tempo, dá uma olhada no meu blog. Acabei de criar, há três textos.
abraços
 
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