29 dezembro 2006

 

O FIM DE SADDAM (OU O CUSTO DA DIGNIDADE HUMANA)

"Nós ouvimos seu pescoço quebrar", disse Sami al-Askari. A imprensa mundial anuncia o fim de Saddam."Foi muito rápido. Ele morreu imediatamente". Pelo menos até agora, não se sabe os detalhes de sua morte, em contrapartida, sabe-se do júbilo que goza uma boa fatia da massa iraquiana. O ex-ditador fora condenado por ter sido responsável pela morte de 148 xiitas (povo de uma das facções do islamismo), em 1982. Condenado ao enforcamento. O peso de seu próprio corpo a desfiar a corda e a gravidade. Ou seja, caixão e vela preta pra ele.

Conquanto haja rebuliço no mundo inteiro no que concerne a execução de Hussein, há Governos de países, a exemplo o Governo de Portugal, que aproveitaram a deixa do “caso Saddam” para mostrar sua posição extremamente avessa à pena de morte, considerando-a “contrária à dignidade humana”.

Só para que percebamos o que custa a “dignidade humana” para Saddam, vejamos (só) algumas de suas façanhas; feito isso, averigúe leitor, a esmola que é para esse ex-ditador a pena de morte:


- Em 1983, a execução de 8.000 membros da tribo Barzani, um potente clã curdo ao qual pertence o chefe do Partido Democrata do Curdistão e atual presidente do Curdistão, Massoud Barzani
- Em 1988, durante a guerra Iraque-Irã (1980-88), a aviação iraquiana lançou agentes químicos sobre Halabja (nordeste). Este bombardeio foi o maior ataque a gás contra civis: cerca de 5.000 curdos iraquianos, na maioria mulheres e crianças, foram mortos em alguns minutos, e 10 mil feridos.
- Em 1991, Saddam esmaga a rebelião xiita no sul do Iraque, deixando milhares de vítimas, depois da derrota do exército iraquiano no Kuait por uma coalizão internacional liderada pelos EUA

E agora, cabe um exame de consciência a nós, espectadores da história da Humanidade: O que de construtivo trará a execução de Saddam para a própria Humanidade? Será apenas mais uma morte inútil? Acho que estas são questões que devem ser bem pensadas; lógico, que, considerando a totalidade das atrocidades que o ex-presidente iraquiano fez com a vida de milhares de pessoas inocentes, pois sabe-se que vendo isto, o raciocínio humano só pôde conceber uma execução. E você, o que pensa em relação a este fato?

27 dezembro 2006

 

WITNER EM PLENO TINO SOBRE SEU INFORTÚNIO (DURANTE OS MOVIMENTOS DA MELODIA DE RICHARD WAGNER)



Restou um pouco de tudo: o que era ou é amargo, a frustração desmedida, a doce nota fúnebre, a perda dolorosa do que era palpável. Se fosse ao menos a última gota do mel, talvez o gosto transbordasse ao próprio instinto. A custo do suave veneno se fez o pranto. Um pranto velado por um fim de tarde que em seus braços acolhia a mais frouxa luz morrente. Do que restou não se aproveitara nada. Nem mesmo a semente ainda viva na fruta carunchosa.

Nada. Conquanto as sobras dissessem algo. Essas coisas duram pouco quando imersas em almas pequenas. Era isso que se deveria ter percebido. Os resíduos às vezes dizem mais do que o todo. Pois cada parte de algo revela sempre um substrato, e não por ausência de razão, mais sim porque a integridade das coisas é escorregadia, como a pele e o pêlo. Não fosse a traição insolente do que esbarra na aparência, quiçá estivesse caída a pétala da amargura, respirando a primavera; ou o verme do remorso descansando no canto mais estreito do cérebro.

(resposta em face à dor)

- O que tens é só teu, e nada te será esquecido ou desprezado. O esquecimento te aflige, o desprezo te enobrece. Terás forças sobre teu próprio vazio. O que possuis é muito maior. E és maior. Ser maior implica vontade-além. Portanto, não olhes pra trás; o que ficou desapareceu, inexiste. O que te encerra bem mais na frente te fará gozar. A paciência será a chave de tua riqueza. Aprende, pois, que quem espera em mansidão alcançará não a podridão do que resta, mas tão somente a fortuna do que falta.

26 dezembro 2006

 

HAI-KAI QUE À VISTA DO POETA HORTTA PODERIA SER CONSIDERADO UM "POEMA BRINCADEIRA”


Eles nadam, nadam...
(e morrem na praia!)
e Eu: nada...

23 dezembro 2006

 

NO NATAL, QUASE UM BICHO

Quando chega o Natal eu me sinto quase um bicho. Um bicho que se sente na estação errada. Dá uma geleira nos pés, como se as meias não valessem nada, um arrepio repentino. Não consigo entender que poder é esse que o Natal tem de invadir e transformar as vidas das pessoas. Não entendo mesmo. Aquela coisa de sinos tocando, anjos, luzes, presépios, músicas sacras; me comovem como diabo.

Embora muita coisa não fique, o Natal nos dá uma sensação de que muitas coisas estão ficando pra trás, como se fosse a troca da roupa estragada que foi usada durante o ano inteiro, uma máscara secreta que só nós mesmos é quem vamos conseguir enxergar. É, ainda, uma sensação de que estamos entrando em um túnel largo e escuro que não se sabe onde vai dar.

Daí é que me sinto quase um bicho (que se esconde em seu próprio casco, uma tartaruga ou um jabuti, talvez!), passo para um plano irracional, a fim de não pensar muito, para não me deparar com as inúmeras possibilidades do que significa tudo isso.

Não sei ao certo que sentimento é esse que paira sobre mim no Natal. Um tipo de sentimento que cutuca e alisa, que cala e faz barulho, que estaca e faz cócegas. Prefiro, então, viver o Natal a meu modo. Sem zoada, quietinho, embaixo do tapete, num chão limpinho, sem ter sido varrido. Calado, sem ter perdido a voz. Com frio, sem estar vivendo o inverno.



22 dezembro 2006

 

CHE: UM HOMEM POR TRÁS DA LENDA


Como assim propõe a ideologia desse meu blog, dá para se perceber que aqui há espaço pra tudo.[ inclusive pra servir aos comentários irrelevantes do poeta Hortta (risos)]. Tomando essa proposição, nessa postagem decido prestar uma breve consideração a uma personalidade da História que sempre admirei, e que muito colaborou para a busca da ressonância de igualdade de Direitos e Deveres entre os povos: Ernesto Guevara de la Serna, ou simplesmente, Che Guevara. Não vou traçar um perfil biográfico nem tão pouco comentar seus feitos, prefiro que suas próprias idéias o façam:


O SOCIALISMO E O HOMEM EM CUBA (1965)
«O caminho é longo e cheio de dificuldades. Às vezes, por extraviar a estrada, temos que retroceder; outras, por caminhar depressa demais, nos separamos das massas; em ocasiões, por ir lentamente sentimos de perto o hálito daqueles que pisam nos nossos calcanhares. Em nossa ambição de revolucionários, tratamos de caminhar o mais depressa possível, abrindo caminhos, mas sabemos que temos que nutrir-nos da massa e que esta só poderá avançar mais rápido se for alentada com nosso exemplo.»

MENSAGEM AOS POVOS DO MUNDO (1967)
«Toda a nossa ação é um grito de guerra contra o imperialismo e um clamor pela unidade dos povos contra o grande inimigo do gênero humano: os Estados Unidos da América do Norte. Em qualquer lugar que a morte nos surpreenda, que seja bem-vinda, sempre que esse, nosso grito de guerra, tenha chegado até um ouvido receptivo, e outra mão se estenda para empunhar nossas armas, e outros homens se prestem a entoar os cantos pesarosos com estrondos de metralhadoras e novos gritos de guerra e de vitória»

Assim foi Che. Sempre com esse instinto de revolucionário e de líder político. Che Guevara significa uma lenda para os jovens revolucionários de todo o mundo, um modelo de fidelidade e dedicação à esfera das classes marginalizadas e oprimidas.

21 dezembro 2006

 

DESPERTAR DE BICHO

Tinha acordado cedo. Cara amassada. Enjoada. Parecia mais o focinho de um vira-lata vadio com fome. Levantou como um jumento brabo. Era bem fácil está com o diabo no couro: logo cedinho chamando nome feio, sozinho, gritando, irritado, emitindo sons estranhos como se tivesse com uma pimenta entalada na goela. Uma criatura tosca, bruta. Pinotou da cama trêmulo. Olhos rasos. Cabelos assanhados e sujos. Dias sem banhar-se. Roupas rasgadas, chinelas velhas e barrentas.

Cusparada pela janela. Não se importou em saber se chovia ou estava estiado. Aliás, não se importou com nada. Nem pensou em passar água na cara. Simplesmente abriu a porta, após engolir um gole d’água, e foi ávido socar-se no mato. Enfiou-se no verde seco da caatinga, sem seguir rastros, pegadas ou pistas de qualquer coisa. O vulto daquele homem perdia-se em meio às cactáceas que se forravam sobre o solo vermelho e árido, enquanto a manhã avançava ligeira; o sol descia agoniado, procurando beijar a terra, como se fosse alguém a querer dar o último beijo num cadáver, segundos antes de lacrarem a tampa do caixão.

 
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EM VOLTA DO MURO (OU AO LADO DO MUNDO)


Estou de volta. Após alguns dias em Maceió. Dias bons. Coisas novas, pessoas novas. Cidade sem flores ou poesia. Contudo, achei muito boa a sensação de vibrar em outra freqüência. Sem a carga de compromissos que suporto em Garanhuns. Os lugares nos mudam um pouco. Sinto. Isso é bom. Precisamos às vezes alterar a rotação de nossa mente e de nosso corpo, a fim de fazer funcionar outros motores da máquina que somos no dia-a-dia.

Não desembestei a andar pela capital alagoana. Saí pouco. Precisava “aquietar o facho”. Descansar, como havia planejado. Fui à praia, limitadas vezes. Todavia aprendi muito ao olhar o mar. No fundo tenho a impressão de que o mar tem muito a nos ensinar. Sobretudo, quando as ondas quebram-se. Com certeza há algo de misterioso nisso. O mar também tem seus enigmas.

Durante esses dias em Maceió, li o livro de contos Ao Lado do Muro. De Cristhiano Aguiar. Livro muito bom. A maioria dos contos lida com o extraordinário, o inconcebível, o inacreditável; enfim, contos que abordam o fantástico na literatura. A meu ver, tanto as personagens quanto a forma de narrar, são bem originais, e ainda sim incutidas da predominância de uma voz muito particular. Contos lavrados e imbuídos com muita propriedade. Li - gostei e tudo - embora não tenha lá esse entusiasmo todo pelo encanto que causa o fantástico na literatura. Coisa pessoal mesmo.

Bom estar de volta ao lar. É um pouco doloroso voltar ao pique das coisas rotineiras. (Não é lei, mas digamos pelo menos que é uma espécie de “quase regra”; que ora nos faz muro, sem lado nem nada, e ora só os lados sem marcas nem formas.) Mas, estamos aí. Sendo motores que fazem o mundo girar. Motores que fazem o mundo mover-se: sejamos motores, dessa máquina desgovernada, insana, demente.

16 dezembro 2006

 

MERECIDOS DIAS DE EXÍLIO

“tempo para atirar pedras,
e tempo para ajuntá-las;
tempo para dar abraços,
e tempo para apartar-se."
(ecle 3,5)


Enfim, acho que vou ter a paz que mereço. Férias. Vou me exilar uns dias em Maceió. Após um ano de corre-corre, necessito recuperar o que me foi gasto física e mentalmente nessa temporada. Esquecer de tudo um pouco. Emburacar-me em mim mesmo. Ceder mais espaço à Literatura em minha vida. Espaço que me foi quase extorquido ao longo do ano, à custa da atividade de Docente e de Universitário. Lógico que na Universidade me deparava sim com Literatura. Mas, a título de produção, a coisa meio que ficou truncada, peiada.

A verdade seja dita, na docência também trabalhei com Literatura: infantil. Muito boa experiência. Muitos conhecimentos adquiridos. Contudo, tempo (que é bom) para uma dedicação propriamente dita sobre minha própria obra: nada! Mas, como recuperar um tempo em que se deixou de ler ou escrever habitualmente?! Pensei um pouco nisso. Resposta simples: tendo a consciência de que viveu!

Não se deve tratar negativamente o “recuperar tempo”. Não precisa. Porém, nada se perdeu para que pensemos em recuperar; pois o tempo foi vivido, e isso basta. Quem vive não precisa recuperar tempo. Essa é uma das percepções básicas que se deve ter sobre a vida. Pois a vida não foi ou vai ser. Lao-Tsé afirmava: “A Vida é”. Conhecer a utilidade do tempo em nossa vida é preciso. “Para tudo há um tempo”(ecle. 3,1). Entretanto, esses dias pretendo usufruir bem do descanso o qual faço jus. Aproveitar o tempo de descanso, apenas. Refugiar-me em outra cidade. “A vida precisa de pausas”, escreveu Drummond. Espero tirar proveito da pausa que preciso.

Maceió, aí irei eu! Faça-se meu desterro enquanto minguante durar esse tempo.

15 dezembro 2006

 

DESNUDAMENTO DE ESCRITOR


Escrever é um segredo. Bailarina dançando em uma caixinha sem música. Hoje, surpreendido ao ler meu blog, um amigo me falou que não sabia até que ponto saberia distinguir o escritor do sujeito-histórico, pois estavam se confundindo em meus escritos. Disse que se espantou porque - apenas ele sabe o que tenho ultimamente vivido – me mostro facilmente, sem que as pessoas saibam que escrevo o que vivo. Ou seja, a ficção se perde em meio a uma espécie de confissão. Especificamente nos contos.

A literatura se aproveita disso mesmo: a ignorância do leitor frente ao que é produzido a partir das vivências de quem escreve. E ai é que se pode considerar a significativa distância entre o escritor e o leitor. Distância essa que às vezes não quer dizer necessariamente nada. Às vezes tudo. Pois nem mesmo a Crítica desprezou, de todo, o mundo pessoal do escritor ou poeta a fim de penetrar com afeição em suas obras.

Escrever para mim tem sido hábito. Coisa rotineira. Oração. Encontro com Deus. Tem sido a melhor forma achada para responder coisas que a vida me interroga. Escrever tem se tornado a maneira mais fácil que achei para dar uma bofetada no mundo. Tirar um peso das costas. Pode parecer cafona isso. Mas escrever é libertar-se. Vestir nova roupa, ir a um baile a fantasia com traje de nudista. Ser invadido, desnudar-se.

13 dezembro 2006

 

CHEGADA DE WITNER A UM LUGAR MUITO SEU


No fundo da sala havia apenas um fio de luz, vazando pela fresta. Os móveis empoeirados acusavam o abandono e desprezo que vitimavam o aposento. As paredes aparentavam aos poucos ir largando o reboco. Tijolo solto, cimento envelhecido. Passarela de lagartixas. O piso sempre áspero e sujo, completamente estambocado. O trinco velho da porta ainda mantinha seu chiado de rato. Só que agora um chiado de uma espécie de rato rouco, devido à ferrugem. Do lado de fora havia latidos de cachorro, galos cantando, barulho de menino; tudo isso rompendo o hímen do silêncio sepulcral da casa.

Aos poucos seu corpo foi se jogando no sofá velho e mofado. Deitando-se flácido. Cruzou o braço esquerdo sobre a testa. O suor descia-lhe a fronte. A vista baça perdia aos poucos o facho que entrecruzava a porta. Parecia bicho doente. Amuado. Entupido. A sonolência lhe tomara por completo. Tudo muito lento, mas a noite descia rápida. As coisas ainda do mesmo jeito, como se o mesmo filme se mantivesse em pausa a cada dia.

Abriu os olhos por volta das três da manhã. Dirigiu-se a um quarto. Deitou-se na cama, com os lábios babados, saliva seca no canto da boca. Se benzeu, já deitado. Por algum motivo olhou em direção ao vulto de um crucifixo de madeira, enganchado na parede. Fixou nele seu olhar, até que o sono o nocauteou por completo. A madrugada avançava, quase estourando o primeiro buraco de claridão no céu. Amanhecer frio. Orvalho desabrochante.

12 dezembro 2006

 

A ANGÚSTIA DE LER ANGÚSTIA

Finalmente terminei de ler Angústia. Pensei que não iria terminar mais. (Afazeres acadêmicos e profissionais tornaram, de fato, angustiante o término do livro, devido ao tempo que me foi sugado). Livro travoso. Ao mesmo tempo digestível. Pude perceber todos os méritos desta grande obra de Graciliano Ramos. Para mim, dentre os vários aspectos que edificam o livro, o lirismo é - sem dúvida - o grande pilar do romance. Mas não um lirismo qualquer, e sim um lirismo que até agora só o velho “Graça” foi capaz de elaborar: um lirismo amusical, áspero, frugal, comedido, sem deságües ou sobras. Narrativa em que esse escritor alagoano trata as palavras com desvelo, como se estivesse tirando espinha de peixe. Meticulosidade com a forma.

Livro com personagens complexas. Aparentemente personagens simples. Mas a verdade é que cada personagem acaba por ser uma projeção própria da personagem principal: Luís da Silva. A sensação que esse livro causa no leitor é de frustração, insatisfação, agonia de uma vida insaciada. Ainda mais quando o narrador vai se mostrando mórbido, frio em relação ao mundo e a si mesmo.

Vou saltar, chegar ao que mais me maravilhou: o final. Simplesmente surpreendente. Graciliano envolve totalmente o leitor na composição final do Romance, ao apurar a compreensão de quem ler a trama, um convite a ser co-participante do delírio, da auto-destrutividade, da náusea, da inquietação e do sufoco que Luis enfrenta. “A réstia descia pela parede, viajava em cima da cama, saltava no tijolo – e era por aí que se via que o tempo passava. Mas no tempo não havia horas. O relógio da sala de jantar tinha parado. Certamente fazia semanas que eu me estirava no colchão duro, longe de tudo.”

Um dos livros que agora considero de maior valor literário em minha micro-biblioteca. Livro que ganhou meu apreço. Pretendo guardá-lo com carinho. Sobretudo, porque consegui extrair linhas que me dizem muito nesta fase de minha vida, a exemplo: “Vieram-me lágrimas, que esmaguei”. É tudo. Livro oportuno, na hora oportuna. Louvores a Graciliano, que soube criar bem, jogar como o mundo, gerar coisas, pessoas. Encerremos com uma de suas tacadas de mestre: “Escrevo, invento mentiras sem dificuldade”.

11 dezembro 2006

 


ELOCUTÓRIO A RESPEITO DO DESAJUSTE ENTRE WITNER E SÂNZI (OU O “NÃO” COMO INCAPACIDADE DE AMAR)

“Ela era geniosa de mais pra mim.
Eu era genial demais pra nós.”
(Helder Hortta)

- É que agora não dá, tudo mudou...
Meus anjos e demônios desceram. Mais demônios do que anjos. Os anjos queriam apenas me “levar pelas mãos”. Já os demônios seriam capazes de tudo. Ouvir aquilo foi o mesmo que sentir um trem passar por cima de minha cabeça, lentamente. Já havia largado tanta coisa, outro mundo. Não iria ser fácil aceitar de uma hora pra outra qualquer escusa que justificasse uma fuga pusilâmine. Sabia que para o ser humano em qualquer situação é mais fácil dizer “não”. Contive o bicho que manifestou-se em mim, instantaneamente. Antes a tivesse engolido, dado lhe um bofetão, a chamado de puta. “Não se deve mexer com a dignidade de um homem”, tinha aprendido isso quando criança. Um pacto entre nós havia se quebrado. Aquilo iria doer? Dor de aborto: extinguir alguma coisa que não se conheceu o rosto.

Ficou evidente a vontade demasiada que tive de ofendê-la, insultá-la com os nomes mais feios possíveis. A cada segundo, ali perto dela depois de ouvir aquilo, as palavras foram me chegando fortes. Arruinar com palavras é a forma mais voraz de reduzir ou abater uma pessoa. Aproveitei-me disso para, com elegância, colocá-la abaixo dela mesma. Fiz uma análise de tudo que acontecera entre nós até chegarmos ali, usando de meu garbo, procurando depará-la com sua própria fraqueza e lástima.

A cara dela nem se mexia. A luz sobre seus olhos cada vez mais diminuía quando minhas palavras lhe roçavam a razão. Ficava muda, quieta como uma cadela com a pata quebrada. Parecia que certas verdades lhe arrombavam toda. Olhava pra mim com um olhar débil, arrastado. A incandescência de seu arrependimento duelava com a revelação de sua inaptidão a amar. Não lembro de tudo que disse, mas lembro que no fim metralhei:

- Amar é como arrumar uma casa após a mudança. É experimentar uma fruta que não se sentiu a textura e a forma. Amar, antes de tudo, é uma disposição. É uma aposta. Aceitação de um filho com um defeito que não se conhece. É um dividir uma única alma para dois corpos. É uma coisa que formiga. É um dar as mãos e carregar espontaneamente outro mundo. É conhecer até onde a gente suporta a vida. É ser vítima do espanto causado pelo o outro.

Fui embora. Ela ficou com a insegurança de uma criança; com a cara lerda, presa à facilidade de pronunciar um “não”. Pois, o “sim” para se viver um amor, implica asfixia em pessoas inseguras, como mais tarde também irá asfixiar aquelas que vão se desconhecer, por ter dado trela a pessoas recolhidas a sua incapacidade de amar.

09 dezembro 2006

 

O AMOR BATE EM HORTTA


Acordei cedo hoje. Fiquei manhando na cama, pensando bobagens. Decidi ligar para o poeta Hortta. Havia lembrado Drummond: “o amor bate na aorta”. Liguei para dizer-lhe que “o amor pulou o muro”. Hortta me respondeu: “o amor é um porco espinho”. Emendei ainda com o maior poeta de Itabira: “o amor é bicho instruído”. Desliguei o telefone sem que Hortta sentisse o mau hálito matutino das palavras, a pretensão indistinta que havia por trás desses versos.

[Sim, tenho sérias dúvidas sobre o amor. Principalmente quando se trata da durabilidade dele. Às vezes prefiro deixar ele lá, no canto dele: “o amor, seja como for, é o amor”. Única certeza que tenho é que amor é coisa séria. Não me sinto (até porque não sou) velho nem cansado, mas sabe o que é você chegar numa fase em que são poucas as coisas sérias pra você. Me sinto assim. A culpa está aonde? Pouco interessa. “O amor bate na porta”.]

Liguei novamente e pouco tempo depois para Hortta:
- “O amor se estrepou”!
- (...) tal foi o silêncio de Hortta. Corte na ligação.
Repeti a ligação mais uma vez. Telefone desligado. Mudo. Hortta devorou-se, pensei. Talvez o amor tivesse batido em Hortta, com tabica de fogo, como se bate em lombo de moleque mal-ouvido. Mas dizem que amor não dói, “faz uma cócega”. O silêncio de Hortta diz muito, penso.

O certo é que o amor funde a carne. Perfura a pele, rasga o couro, atinge o osso. Podia ter dito isso ao Hortta. Calei. Deveria ter dito a ele o que o próprio Drummond sacramentou: “Essa ferida,(...)/, às vezes não sara nunca/às vezes sara amanhã.” Restou-me o silêncio do poeta Hortta, como consolo ao que amor não revela, nem tampouco faz vibrar frente a minha compreensão pouca sobre as coisas.


08 dezembro 2006

 

DO SUICÍDIO AO LANCHE
Experiência interessante tive hoje: Conversar em casa de uma amiga, numa roda de colegas, sobre suícidio; comendo bolacha recheada (de chocolate) e tomando Coca-cola. Não nos preocupamos em chegar a nenhuma conclusão. Nem tampouco saber o motivo real que leva uma pessoa a suicidar-se. Conversa descontraída mesmo. Só como deixa de um fato que acontecera há poucos dias aqui em Garanhuns: um jovem que enforcou-se num pé de árvore em frente a sua casa.
Cheguei à residência dessa minha colega, faminto. (Após uma tarde cansativa no trabalho e um início de noite febril, diante da avaliação insossa que fiz Faculdade.) Preferi deixar o suicida no lugar dele. Opinei pouco. O lanche me atraíra mais. Alguns de meus colegas ao escutar os relatos uns dos outros, sobre histórias de suicídio, estacavam com o copo na mão, também a outra mão, com o biscoito em direção à boca. Gostei dessa hora. Aproveitei para comer e beber mais que eles.
Sim, experiência boa; percebo que a vida às vezes passa doce, como bolacha de chocolate recheada, e nós a abortamos, suicidamos nossa fome para ouvir as inevitáveis desgraças dos outros, muitas vezes isso contribuindo para nosso caos e ruína. "Que o morto/ se guarde no que é seu".

05 dezembro 2006

 

DO EGOÍSMO E OUTROS ELEMENTOS


"Atracados, os olhos vermelhos, baba no canto da boca, uns bichos."
(Graciliano Ramos)


Não sei. Mas nessa minha infausta vida de eterno aprendiz tenho sofrido como o diabo. (Se é que o diabo sofre!) Tenho a sensação de que a vida é um caroço mesmo. Caroço sem fruta, diferente. É amargurante dá importância a certas coisas na vida que nem se sabe se no final vai ter importância alguma até pra você mesmo, como por exemplo, perder a madrugada - como faço - em frente a um computador parindo linhas que quiçá fiquem frias, mortas, inertes na tela de uma máquina. Outras pessoas devem ter outras coisas mais interessantes pra fazer, como por exemplo Sexo.
Sim, em especial os casais. Ainda não sou casado, e isso é o melhor que posso dar de mim nessa madrugada. Enquanto sei que existem maridos e esposas em suas camas por aí criando mundos e se divertindo embaixo de seus lençóis, fico escrevendo, mudo. Se ao menos fosse casado poderia ter o sexo como fuga a essas madrugadas rotineiras. Teria uma esposa para comentar algum livro, e após isso teríamos o sexo como personagem do cotidiano de um mundo a dois. Isso mesmo, o sexo. Falar em amor me trava. Gosto do sexo porque ele é egoísta e não mantém nenhum compromisso com a fidelidade de sentimentos. O amor é democrático, implica igualdade nos direitos, retidão.
Se tomarmos o exemplo o nosso país então, entedemos melhor a coisa. Embora seja a democracia o melhor sistema para reger o gosto da coletividade, não há necessariamente uma exclusiva garantia à felicidade geral, nem tampouco igualdade. É isso mesmo, a democracia ainda impede que gozem em harmonia. Já o egoísmo é uma luta contra si mesmo, ninguém perde. Escrever por outro lado também é um ato democrático: não garante a felicidade geral, nem tampouco a igualdade. Mesmo assim, me enfio nestas linhas, sem estar ereto, mas mole como bosta de burro; sem sono, escutando os gemidos do casal de vizinhos (que moram ao lado esquerdo de minha casa) transado há uns 7 minutos, sem democracia, egoísmo ou mesmo gosto de fruta doce, sem caroço.

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